O século XXI tem sido um período de muitas glórias para o Barcelona. O clube teve “eras mágicas”, como com Ronaldinho e Messi em 2005, com Guardiola no comando entre 2008 e 2012, ou mesmo com o trio MSN (Messi, Neymar e Suárez), que reinou na Espanha de 2013 a 2017. Tanto internamente como externamente, o clube caminhava bem, além dos títulos e a constante presença entre os melhores times do mundo, o Barcelona, em 2018, foi o primeiro clube a atingir a marca de 1 bilhão de euros em receita anual.
Porém, em janeiro de 2014, Josep Maria Bartomeu assumiu o cargo de presidente do Barcelona e deu início a uma administração desorganizada, aliada a uma gestão ineficiente. A equipe extremamente qualificada que o clube catalão possuía quando Bartomeu assumiu, de certa forma, ocultou as falhas da gestão inicialmente. Entretanto, foi apenas uma questão de tempo para que as consequências, dentro e fora de campo, viessem à tona.
Origem da crise
A crise do Barcelona pode ser atribuída a alguns fatores em especial, como o excesso de decisões focadas apenas no curto prazo, nas quais os gestores, visando sanar as necessidades imediatas, como dívidas e desempenhos ruins, tomaram decisões repentinas, sem pensar nas consequências futuras. Desta forma, o clube acumulou vários registros de empréstimos bancários, que se enquadram exatamente nas circunstâncias mencionadas: soluções momentâneas e prejuízos futuros.
Outro fator entre os principais causadores da crise financeira foi a pandemia de Covid-19 que impossibilitou uma das principais fontes de renda do clube catalão: a receita vinda do Camp Nou, desde a própria bilheteria até os produtos comercializados no estádio e seus arredores. Em auditoria feita dentro do Barcelona (divulgada no dia 06/10/2021), o diretor geral Ferran Reverter revelou: “Se fossemos uma empresa (e não um clube de futebol), teríamos aberto processo de falência.”
Como uma das causas para o declive financeiro no Barça, também estão os vários aportes financeiros realizados pelo clube na contratação de jogadores que não trouxeram o resultado esperado ou que, tampouco, justificaram o custo-benefício diante das quantias pagas. A tabela a seguir ilustra algumas das contratações feitas pelo clube entre 2016 e 2020 que apresentaram muito pouco dentro de campo:
Contratações | Quantia paga (em milhões de euros) |
Philippe Coutinho | 135 |
Ousmane Dembelé | 135 |
Antoine Griezmann | 120 |
Miralem Pjanic | 60 |
Malcom | 41 |
Um jogador que se destaca dentre os maiores salários pagos nos últimos anos pelo Barcelona é o bósnio Pjanic. O meio-campista quase não foi utilizado durante o seu período de contrato e ainda sim representou uma boa parte da folha salarial do clube, isso porque a sua transferência não foi por motivos futebolísticos, mas por uma “contabilidade criativa”. Em parceria com a Juventus, os clubes realizaram uma transferência que envolveu a troca de Pjanic pelo meia brasileiro Arthur, com a finalidade de driblar o “fair play” financeiro de suas respectivas ligas.
Nos últimos anos, além da crise financeira, também se tornou evidente uma crise de identidade no clube catalão, que, desde a saída de Neymar, apresenta várias tentativas de contornar a essência de jogo construída desde a época de Cruyff como treinador. Ernesto Valverde assumiu o comando técnico no começo da temporada 2017/2018 e, logo depois, foi anunciada a saída de uma das maiores referências do clube para o PSG. Por conta disso, mudanças tiveram que ser feitas na maneira de jogar, passando de um modelo de jogo muito mais propositivo para um modelo reativo, renunciando o estilo de jogo que era uma marca do Barcelona. Valverde alcançou um bom desempenho em média, mas também sofreu resultados ruins na UEFA Champions League, principalmente o 3 a 0 sofrido para a Roma nas quartas de final depois de ter ganho o primeiro jogo por 4 a 1 no Camp Nou.
Diante desta crise econômica e de identidade, as consequências também foram vistas dentro de campo. A queda na qualidade do elenco se tornou evidente, principalmente a partir de 2017. Um dos melhores exemplos para retratar essa crise é a goleada sofrida para o Bayern de Munique nas quartas de final da Liga dos Campeões em 2020, na qual os jogadores do Barcelona demonstravam uma imensa discrepância técnica e organizacional em relação aos atletas do clube bávaro.
Acúmulo de dívidas
De acordo com dados levantados pelo jornal espanhol AS, a partir da temporada 2018/2019, o faturamento do Barça passou a ser inferior do que as dívidas contabilizadas. Nesse momento, o passivo do clube era de 878 milhões, superando em 39 milhões de euros a receita gerada no período. Ademais, constatou-se um abrupto aumento de dívidas de curto prazo, muito em função dos juros cobrados pelas instituições financeiras em que o Barcelona buscou suporte, representando mais um problema para os cofres do clube. Enfrentando um déficit financeiro que implica em decisões rápidas, o Barcelona optou por pegar empréstimos bancários, o que gerou uma solução imediata, mas também grandes problemas futuros: a dívida aumentou mais de 200 milhões de euros.
Os gráficos abaixo demonstram a diferença de proporção entre as dívidas de curto prazo, que devem ser pagas em até um ano, e as de longo prazo, com vencimento maior do que um ano. Através deles, podemos notar o grande aumento das dívidas que possuem um prazo menor, o que demandou uma grande atenção por parte da diretoria catalã.
Fonte: Balanço Financeiro do Barcelona/dados levantados pelo Globo Esporte
Fonte: Balanço Financeiro do Barcelona/dados levantados pelo Globo Esporte
Diante deste cenário, surgem várias indagações acerca de como um clube que possui uma marca tão poderosa e uma das maiores receitas do mundo, pode ter enfrentado um período financeiro e esportivo tão delicado. A saída de Lionel Messi do clube catalão, no fim da temporada 2020/2021, deixou a recessão econômica vivenciada ainda mais aparente. As manchetes, além de apontar o novo destino do grande ídolo do clube, evidenciaram o abismo do qual o Barcelona se aproximava.
Saída de Messi
Em relação à saída de Lionel Messi, o jogador já demonstrava a intenção de deixar o Barcelona no fim da temporada de 2020, diante da perspectiva de futuro do clube. Contudo, perante a necessidade de envolver autoridades judiciais para realizar a rescisão contratual, o ídolo do clube catalão optou por seguir na equipe até o fim do seu contrato, em junho de 2021. Durante este período, o time e o jogador se “reaproximaram” e jornais do mundo inteiro já indicavam como certa uma renovação do vínculo com o atleta. Entretanto, com as novas normas de fair-play financeiro impostas pela LaLiga – que não permitem que os clubes gastem mais do que a receita gerada com obrigações trabalhistas –, apesar do esforço de ambas as partes, o Barcelona não foi capaz de lidar com os obstáculos econômicos e estruturais para impedir a saída do jogador. Concretizando, dessa forma, o fim do ciclo de Messi no Barcelona.
A situação que provocou a saída do jogador argentino reflete o quão impactante pode ser a contratação equivocada de um atleta, que ocupa a folha salarial e não agrega de maneira significativa na produção do time. Como podemos ver na tabela a seguir, que retrata os dez maiores salários pagos pelo Barcelona em 2020 e que está repleta de jogadores que, dentro de campo, não corresponderam ao custo do investimento realizado para sua contratação:
Jogador | Salário Anual (em milhões de euros) |
Messi | 100 |
Griezmann | 34 |
Coutinho | 24 |
Busquets | 22 |
Piqué | 20 |
Jordi Alba | 20 |
Dembelé | 20 |
De Jong | 16 |
Umtiti | 14 |
Pjanic | 14 |
Fonte: Transfermarkt
Além disso, as consequências da saída de um astro como o Messi ultrapassam os limites das quatro linhas. Deixando o clube, Messi levou junto centenas de milhares de fãs, que deixaram de assistir os jogos do Barcelona para assistir as partidas do PSG, movimento semelhante ao que provavelmente ocorrerá com a venda de artigos esportivos, com os consumidores migrando dos produtos do clube espanhol para os do francês. Especialistas da empresa de consultoria Brand Finance afirmaram que o clube pode estar sujeito a uma desvalorização na casa dos 130 milhões de euros, que estaria alinhada a uma possível redução de contrato com patrocinadores, em virtude da queda de audiência e dos resultados inferiores nas competições que o time disputa.
Processo de reconstrução
Em outubro de 2020, principalmente em função dos atritos com Messi e da queda de desempenho do clube, Bartomeu renunciou ao cargo de presidente. Durante um curto período, Carles Tusquets atuou no cargo de maneira interina, até março do ano seguinte, quando Joan Laporta assumiu a presidência do clube. Laporta demonstrou estar atento às necessidades econômicas do clube, reconhecendo a dificuldade financeira e a necessidade de algumas medidas cautelares. Dessa forma, mesmo com a saída de Messi, aparentemente construiu-se um cenário propício para a reconstrução do Barcelona.
Em meio a uma situação econômica muito complicada, o Barcelona conseguiu fechar um grande patrocínio com a plataforma sueca de música Spotify. Apesar de não ter os valores revelados, a rádio catalã RAC afirma que a empresa pagará cerca de 160 milhões de euros para ter sua marca estampada no estádio, que, a partir de 2025, deixará de se chamar Camp Nou. Além disso, Juli Guiu, vice-presidente de marketing do clube, explicou que as negociações são em quatro áreas do clube: no estádio, que terá reformas e o nome mudado para Spotify Camp Nou; nos uniformes; em ativos de publicidades do clube, como a sala de imprensa e as arquibancadas; e na criação de produtos audiovisuais, como shows, no estádio.
Segundo a RAC, o valor em torno do segmento de uniformes seria de aproximadamente 60 milhões de euros por temporada, em um contrato de quatro temporadas. “O acordo supera, em termos financeiros, qualquer outro acordo de patrocínio anterior que o Barça teve em sua história, é o maior acordo da história e é um dos melhores do esporte global”, afirmou Laporta. Portanto, esse contrato pode ser uma etapa importante para a reestruturação do clube.
Retorno de um antigo herói
Mais um ponto que evidencia o processo de superação da crise no Barcelona, é a chegada do ídolo espanhol Xavi como treinador do clube em novembro de 2021, que foi um fator determinante para que a equipe voltasse a ter resultados melhores. O ídolo apostou em reforços que não demandaram um grande investimento, mas apresentaram um excelente custo-benefício, diferentemente do que foi visto em muitas contratações na gestão de Bartomeu.
Jogadores | Valor da transferência (em milhões de euros) |
Ferran Torres | 55 |
Pierre-Emerick Aubameyang | Custo zero |
Adama Traoré | Empréstimo |
Daniel Alves | Custo zero |
Fonte: Transfermarkt
O time do Barcelona ocupava apenas a nona colocação na La Liga e, em poucos meses de trabalho de Xavi, a equipe catalã chegou a conquistar até a segunda colocação, atrás apenas do Real Madrid. Além do estilo de jogo que favorece o time da Catalunha, o novo treinador espanhol chegou fazendo mudanças estruturais na rotina do clube, como a exigência de que todos os jogadores têm que chegar uma hora e meia antes nos treinamentos, enquanto a comissão técnica, para dar bom exemplo, chega com cerca de duas horas de antecedência. Assim como Guardiola, ex-técnico do Barcelona, Xavi considera de extrema importância que as refeições sejam feitas no clube, com o aval dos nutricionistas, pois, segundo o novo comandante, uma boa dieta pode prevenir lesões e melhorar o preparo físico.
Em pouco tempo, as mudanças impostas pelo técnico espanhol já surtiram efeitos. Entre os meses de fevereiro e março de 2022, o clube aplicou seis goleadas, sendo duas delas contra os seus principais rivais: um 4 a 0 contra o Real Madrid e um 4 a 2 contra o Atlético de Madrid.
Longo caminho pela frente
A trajetória é longa e ainda há muito o que melhorar, visto que o Barcelona ainda oscila muito, sendo eliminado para o clube alemão Eintracht Frankfurt nas quartas de final da Europa League, em uma derrota por 3 a 2 em pleno Camp Nou. Apesar das oscilações, é notável que há um ótimo trabalho de recuperação sendo realizado no clube, tendo em vista que as contratações feitas têm decidido em campo, como na vitória de 4 a 0 sobre o Real Madrid, na qual três dos quatro gols vieram de novas aquisições para essa temporada – dois de Aubameyang e um de Ferran Torres.
Assim, se torna evidente a importância de uma gestão eficiente, que busca soluções criativas levando em consideração o curto e o longo prazo. Aparentemente, Laporta está com uma administração organizada, que, com o tempo, tende a fazer com que o clube catalão retorne ao patamar vivenciado nas “eras mágicas” do clube.
Por Luiz Eduardo Toledo Galindo Campos e André Magalhães Silvestre
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