Mergulho nos programas de sócio-torcedor: um novo olhar para os indicadores 

Analisamos resultados publicados sob um novo ângulo, entendendo melhor performance e estratégia dos programas


Por Redação

30 de julho de 2024

Mergulho nos programas de sócio-torcedor: um novo olhar para os indicadores (Créditos: Nathália Teixeira)

O futebol brasileiro passou por grandes transformações no século XXI. Do formato de sua principal competição à abertura do processo de mudança para as SAFs, das cifras envolvidas em transações às novas plataformas de transmissão de jogos, o produto “futebol brasileiro” mudou mais em 25 anos do que em todo o século passado. Entre as transformações mais representativas, está a criação dos programas de sócio-torcedor.  

Concebidos como um caminho para aproximar clube e seus fãs, e também gerar uma nova (e importante) linha de receita para os cofres dos clubes, os programas viraram motivo de orgulho para todos os envolvidos. E a indústria, claro, percebeu esse potencial. Torcedores não apenas consomem seus clubes nos dias de jogos: eles estão conectados e interessados em saber sobre quem tem o maior patrocínio, o melhor contrato televisivo, qual a maior venda de atleta ou até quem tem mais seguidores em uma determinada rede social. O sócio-torcedor, claro, não ficaria de fora disso. 

Em 2013, o Movimento por um Futebol Melhor tentou dar maior visibilidade aos programas de sócio-torcedor através do Torcedômetro, um ranking público da quantidade de sócios dos principais clubes brasileiros. A ideia, como se pode imaginar, era engajar os torcedores usando da rivalidade entre os clubes. O problema é que o índice servia basicamente pra isso: torcedores tirarem onda. O Torcedômetro viralizou, como indicador extra-campo na eterna busca de provas para o argumento de que “meu time é maior que o seu”, mas estava longe de usar um critério objetivo, como o número de títulos ou o histórico de vitórias no confronto direto entre duas equipes. E por um motivo muito simples: a liberdade poética conferida aos Clubes para decidir seus próprios critérios na contagem do número de sócios que apareceria no ranking. E os critérios eram diversos: 

– Incluir ou não outras categorias de sócios do clube na contagem do ranking de sócio torcedor. 

– Incluir ou não planos de dependentes no número final do ranking 

– Tempo de manutenção na contagem da base para planos inativos ou inadimplentes  

Para além de diferenças metodológicas que tornavam a montagem do ranking absolutamente fantasiosa, como a fonte para input de dados era o número informado pelo próprio clube, sem qualquer auditoria, é provável que alguns números fossem manipulados e não contassem com qualquer conexão com a realidade. 

Ainda assim, o torcedômetro cumpria bem o seu papel de ferramenta de engajamento gerando excelente material para animados debates em mesas de bar país afora. Até aí tudo bem. 

O problema começa quando se passa a usar qualquer ranking baseado em número de membros como medida para avaliar o sucesso relativo dos programas de sócio-torcedor. Até porque, o sucesso de cada programa depende dos objetivos definidos por cada clube para seus programas específicos. Para isso é necessário adotar uma abordagem mais abrangente e justa para não desconsiderar o valor que eles geram, independentemente da quantidade de associados. Alguns clubes podem, por exemplo, adotar uma estratégia mais voltada para aumento de receita direita, enquanto outros podem observar o valor agregado na manutenção de uma base de contribuintes ao longo do tempo. 

E o tema ganhou mais holofote com a recente publicação do ranking no globoesporte.com, fato que nos fez refletir que há bem mais ângulos para se  

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Mas, afinal, o que importa? 

Vamos pegar os exemplos de Atlético-MG e Cruzeiro, dois gigantes de Minas Gerais. Se a análise fosse baseada apenas no ranking de sócios, como na matéria do GloboEsporte, o Atlético teria os melhores resultados com mais de 90 mil sócios, ficando na 4ª posição nacionalmente e quase o dobro do número de sócios do Cruzeiro, que conta com pouco mais que 58 mil. Esse olhar superficial esconde um dado muto importante: segundo os balanços divulgados pelos próprios clubes e endossados por algumas das mais respeitadas empresas de auditoria do mercado, o Cruzeiro gerou mais de R$31 milhões com o seu programa em 2023, enquanto o Atlético teve uma receita de apenas R$27 milhões. Ainda de acordo com os balanços, para o Cruzeiro, a receita do sócio-torcedor representou 13% da sua receita anual total em 2023, – já no caso do Atlético, esses números foram 7%. Como um programa de assinatura, o Sócio 5 Estrelas do Cruzeiro é mais eficiente e eficaz para o seu negócio. Se nós dividirmos a receita apresentada no balanço, pelo número de sócios apresentado no ranking da matéria do Globo Esporte, nós chegaríamos à conclusão que cada membro do programa de sócios do Cruzeiro gerou um ticket médio mensal de R$44,44, enquanto os membros do programa do Galo geraram R$24,83 por torcedor, por mês.

Comparativo Indicadores Sócio-Torcedor: Atlético-MG x Cruzeiro. Fonte: balanços dos clubes 

Usando a mesma lógica, o Palmeiras, líder do ranking do GE com mais de 182 mil sócios, faturou R$58 milhões com o programa Avanti, de acordo com números apresentados em seus balanços finaceiros. Se compararmos esses números com os do Fluminense, o Tricolor carioca teria 1/3 do número de sócios do alviverde paulista, segundo ranking do Globo Esporte, tendo faturado praticamente o mesmo com o programa Sócio-Futebol: R$56 milhões em 2023. Enquanto os sócios do programa Avanti teriam gerado R$26,82 cada por mês, os sócios do Flu, pela mesma lógica, teriam gerado R$80,09 cada por mês, contribuindo diretamente para os bons resultados financeiros do clube. Hipoteticamente, se o Fluminense conseguisse manter o ticket médio e alcançasse o número de sócios que o ranking diz ter o Palmeiras, isso geraria R$175 milhões por ano nos cofres cariocas. Mais uma vez, eficiência e eficácia ao invés de aquisição de sócios a todo custo.

Mergulho nos programas de sócio-torcedor: um novo olhar para os indicadores

Comparativo Indicadores Sócio-Torcedor: Palmeiras x Fluminense. Fonte: balanços dos clubes 

Coincidência (ou não), de acordo com o ranking do Globo Esporte, Atlético-MG e Palmeiras são dois dos quatro times com o maior número de sócios no Brasil, mas com a pior relação de ticket médio por membro, quando analisado o faturamento de seus programas informados em balanços pelos próprios clubes. Será, então, que a melhor maneira de analisar os resultados dos programas de sócios não seria um compilado de vários indicadores de performance? 

Foco na estratégia 

Peguemos como exemplo um outro negócio focado em assinaturas: streaming de conteúdo. Por anos, o foco da Netflix foi em aumentar a base de usuários – e por anos, seus resultados financeiros e retorno sobre as ações foram ruins comparado com seu potencial de mercado. Nesta fase, o objetivo da Netflix era crescimento de base para posterior monetização. Já a partir de 2021, depois de terem sido atingidos pela ressaca da COVID 19, a liderança da empresa ajustou sua estratégia e foi buscar caminhos que pudessem reverter num crescimento sustentável de faturamento e lucro. 

Receitas Nexflix entre 2021 e 2024: 32% de crescimento (26,4Bi para 34,9Bi). Fonte: MacroTrends 

Como dito antes, cada clube tem seus objetivos e atravessam momentos distintos em relação ao que pretendem atingir com seus programas de sócio-torcedor. Mas se a medida de sucesso for a capacidade de contribuição financeira do programa para contribuir com os investimentos que o clube pretende fazer para conquistar títulos, focar em crescer a quantidade de membros na base deveria sempre estar acompanhado de outros indicadores, como o aumento do valor do tempo de vida dos assinantes na plataforma, recriação dos planos de assinaturas ou medidas para inibir o compartilhamento de conta. Trazendo para o mundo do sócio torcedor: é como se um clube parasse de focar simplesmente em aumentar o número de pessoas assinando e focasse em quais benefícios podem ser oferecidos para o sócio, reestruturar os planos e acabar com fraudes e cambistas.  

Mesmo a maior empresa de streaming do mundo entendeu que apenas o foco em crescimento de base a qualquer custo não é um caminho sustentável no longo prazo. Então, se o objetivo for analisar o sucesso relativo de cada programa, será preciso utilizar medidas mais completas, descartando esse tipo de ranking.  

Estas comparações realizadas acima só foram possíveis pelo fato dos quatro Clubes listados exibirem em seu balanço financeiro (que todos são obrigados a publicar até o final de abril de cada ano) a receita de Sócio Torcedor de forma isolada. Não é uma regra, muitos misturam a receita junto com outros valores, seja de ingressos, de cadeira cativa, de Matchday (outras receitas associadas ao dia do jogo), de Loterias e até de contribuições de tempo de trabalho concedido pelo seu corpo executivo não remunerado. 

Abaixo o quadro com as receitas de Sócio Torcedor que são declaradas de forma isolada, com um novo Ranking para comparação dos programas de associados sob a ótica do resultado financeiro, em ordem de Receita 2023, exibindo também Receita 2022 e o percentual de crescimento entre os anos: 

Mergulho nos programas de sócio-torcedor: um novo olhar para os indicadores

Clubes com maior receita de ST nos últimos anos divulgadas em balanço. Fonte: balanços oficiais dos clubes 

Muito mais que uma discussão de boteco 

O que fica claro ao compararmos os números dos últimos dois anos, é que muitos clubes já perceberam que o programa de sócio-torcedor precisa ser muito mais do que um bom argumento para um debate de boteco entre torcedores rivais. Até porque, ao longo do tempo, seu time já pode ter figurado na liderança do ranking de mais sócios, uma vez que todos tiveram, em algum momento, um foco específico em crescer a base.  

Clubes podem ainda não ter descoberto a fórmula para dar o salto de ter centenas de milhares de sócios ativos, contribuindo com o crescimento do clube e, claro, aproveitando os benefícios que os programas dão em retorno. Mas esse é um debate para um próximo momento. 


Este é o primeiro de uma série de textos que serão publicados no Sport Insider sobre o tema sócio-torcedor. Em cada publicação, abordaremos um ângulo diferente do segmento, a fim de enriquecer a discussão pública sobre o tema.