Falta pouco menos de 3 meses para a celebração do prêmio “Golden Boy”, cedido ao jovem de até 21 anos mais destacado da temporada europeia aos olhos da TuttoSport, organizadora do evento. E embora ainda tenha água para rolar, tudo indica que ele ficará mais uma vez com uma joia de La Masia: Lamine Yamal.
Yamal desponta como um dos nomes mais óbvios que a premiação já teve, por reunir uma série de predicados muito comuns aos vencedores: desempenho esportivo, pedigree, jogar em uma grande grife, estar nos grandes palcos. E, no caso dele, há um fator que não pode ser desconsiderado: ele é um talento tão bom tão precocemente que é impossível imaginar que ele não estará nas discussões de melhor do mundo já na próxima temporada – lembrando que ele ainda seria elegível ao Golden Boy por mais 4 temporadas!
Portanto, salvo qualquer fenômeno imprevisto, o prodígio espanhol deverá entrar num hall que conta com outros três nomes do Barcelona: Pedri, Gavi (ambos companheiros atuais de Yamal) e, claro, Lionel Messi, que venceu a edição de 2005. A lista ainda conta com figurões como Wayne Rooney, Sergio Aguero, Paul Pogba, Erling Haaland e Kylian Mbappe. Entre os brasileiros, o meia Anderson (formado no Grêmio e à época jogador do Manchester United) e Alexandre Pato (formado no Inter e à época jogador do Milan) foram os únicos vencedores.
Passadas duas décadas da premiação, o que significou ter sido eleito um Golden Boy? O que isso poderá significar para Yamal ou pra quem quer que vença o prêmio em 2024? Vamos debater alguns critérios e trajetórias para chegar lá.
Critérios: o necessário para ser um Golden Boy
Olhando para a lista de vencedores, a primeira coisa que salta aos olhos é a grife: onde jogavam os eleitos – 13 dos 18 times listados já ganharam ao menos uma edição de Champions League e outros 3 já foram finalistas do torneio – as exceções são Everton (ING) e Málaga (ESP). E entre as equipes vencedores nas 21 edições da premiação, cabe uma ressalva: alguns futuros Golden Boys se transferiram ao longo da temporada em que foram consagrados vencedores, o que aumenta a quantia de envolvidos.
É o caso do Everton, que vendeu Rooney para o Manchester United durante a temporada 2003/04, ou da Inter, que vendeu Balotelli a um novo rico, o Manchester City. É um evento pouco comum e aconteceu outras 4 vezes, envolvendo Martial e Mbappe (ambos do Monaco para M. United e PSG, respectivamente) e Renato Sanches e João Félix (do Benfica para o Bayern e Atlético, respectivamente). Estamos falando de 28% dos casos, o que pode ser explicado por elementos como:
- 1) dificuldade na adaptação
- 2) baixa competição no ano em questão
- 3) impacto imediato na transação.
O português Sanches talvez seja o caso mais emblemático, uma vez que surgiu muito bem no Benfica, foi campeão da Euro com Portugal e nunca decolou no time alemão. Portanto, imaginar que nomes como Yoro ou Endrick, recém transferidos para times de mais destaque, saiam vencedores nesse cenário, é improvável.
Outro ponto relevante é o que vou chamar aqui de pedigree: o jogador atua em uma seleção importante? Foi formado em uma base conhecida? É provável que isso conte pontos a ele. Em parte porque a adaptação dele ao profissional tende a ser mais simples, em parte porque qualquer mínimo destaque esportivo o colocará sob holofotes que times e seleções menos competitivas farão. Gavi, vencedor em 2021, superou nomes como Musiala (Bayern) e Camavinga (Real Madrid), que nunca venceram o prêmio e possivelmente são mais impactantes hoje do que o jovem de La Masia. Ele também superou Jude Bellingham, que à época jogava no Borussia Dortmund – e que viria a conquistar o prêmio no ano seguinte, já como jogador do Real Madrid.
O desempenho esportivo é outro fator a ser considerado, naturalmente. E aqui há uma virada de chave ao longo do tempo: hoje é muito mais fácil ter acesso aos jogos de jovens estrelas do que era 20 anos atrás. É a razão pela qual uma Copa do Mundo sub-20 genial de Messi teve mais impacto na decisão de premiá-lo do que em qualquer premiação recente. Também é um padrão dos vencedores mais recentes ter muita minutagem de jogo no time profissional em comparação aos vencedores do início da premiação. Se compararmos a quantidade de jogos dos últimos 6 vencedores com a dos 6 primeiros vencedores, há um abismo enorme: 612 x 489. Nomes como Bellingham, Haaland e de Ligt já tinham mais de 100 partidas disputadas profissionalmente quando venceram seus prêmios.
A idade também é um fator relevante na eleição. Diversos jogadores foram citados em múltiplos anos e isso tem a ver com a precocidade com que despontaram no esporte. Para alguns atletas, a curva de desenvolvimento foi constante e linear; para outros, o desenvolvimento precoce foi muito acelerado. Jamal Musiala, por exemplo, é hoje um dos principais nomes do Bayern e da seleção alemã. É, sem dúvidas, um jogador mais preparado do que era há dois anos atrás. Porém, dois anos atrás ele já era uma grande promessa que, na avaliação dos votantes, não teve um desempenho tão espetacular quanto seus concorrentes. Ele nunca ganhou o Golden Boy, mas tem tudo para ser uma constante nas disputas pelo prêmio de melhor do mundo.
Cristiano Ronaldo é possivelmente o exemplo máximo desse critério: embora já fosse muito bom aos 18, 19 anos, ainda havia muito a se desenvolver em seu jogo, tanto que o pico de sua carreira se inicia 5 anos após sua estreia como profissional. Para o prêmio, manter jovens no radar é essencial para mantê-lo em alta. Por exemplo: Aguero já era um Golden Boy em 2008 quando foi citado na temporada vencida por Anderson. É raro que um jovem tão jovem fure a bolha e apareça diretamente nos prêmios de melhor do mundo – o que já parece mais concreto para Lamine Yamal.
Por fim, há um outro fator, totalmente fora do controle dos atletas em questão: nem todo ano é bom como o outro. Basta ver a concorrência que foi enfrentada a cada ano. Sterling (14) e Martial (15) superaram concorrentes bem menos expressivos que Gotze (11) ou de Ligt (19). Vencer o prêmio é, portanto, uma combinação de sorte, acaso, performance, situação e aleatoriedade. E, no fim do dia, funciona tão somente como fotografia para fãs de games terem seus 10 minutos de regozijo individual e falar “eu te falei que ele era bom”.
Venci. E aí?
Prêmios como o Golden Boy cumprem mais do que a função de gerar conteúdo nas redes sociais. É uma forma dos clubes se promoverem, aumentarem o valuation do atleta, dar ao fã casual uma ideia do que (ou quem) deve ser tendência no esporte nos próximos anos. Mas é também um convite à pressão exagerada em cima de jovens adultos que buscam assumir o protagonismo do esporte.
Não é muito difícil de checar isso: navegue por 10 minutos em alguma rede social que fale de futebol e verá coisas como “João Félix é flop” (um fracasso). João Félix ainda tem 24 anos. Sua carreira pode ainda reservar temporadas fantásticas ou não, é cedo para saber. Fato é que o burburinho em torno da joia portuguesa foi imenso e ajudou o Benfica a encher os cofres. Félix nunca conseguiu repetir o desempenho da temporada que o consagrou menino dourado na Europa, mas ainda assim importantes clubes do continente seguem apostando em uma reviravolta. O mesmo vale para Matthijs de Ligt, único defensor a levar o prêmio, e que assinou recentemente com o Manchester United, seu 4º clube na carreira.
Passados 21 anos desde a primeira edição, parte dos vencedores já se aposentou ou passou pelo seu auge, o que significa que já há material suficiente para analisarmos “o que significa vencer o Golden Boy”. Vamos quebrar em categorias.
- Relevante para o esporte no auge
Aqui, considerando apenas jogadores eleitos entre 2003 e 2010, vemos atletas que ganharam títulos relevantes, estiveram em discussões de melhor do mundo e serão lembrados com carinho sempre que um recorte específico do esporte for analisado. É o caso de Rooney, Fàbregas e Aguero: todos foram protagonistas em seus times, são 3 dos mais importantes nomes da Premier League neste século e contribuíram enquanto o corpo aguentou.
- Ótimo coadjuvante com auge curto
Aqui, considerando a lista de 2003 até 2015, jogadores que não viraram os maiores do mundo, mas tiveram seus nomes marcados em times e situações específicas. Temos nomes como Raheem Sterling, Paul Pogba, Rafael van der Vaart e Isco. Sterling foi um bom jogador em um Manchester City super campeão; Isco foi um reserva de luxo-titular coadjuvante em um Real Madrid histórico, enquanto van der Vaart teve sua relevância em situações que merecem pouca lembrança – ainda assim, foi finalista de uma Copa do Mundo.
Pogba é quase um estranho no ninho aqui. Ele foi campeão do mundo jogando uma barbaridade, teve uma primeira passagem brilhante pela Juventus e tinha o talento para ser um dos maiores de sua geração. Ao mesmo tempo, ouvimos falar muito pouco dele desde a conquista da Copa, em 2018. Com uma carreira irregular, decisões controversas de escolha de time, lesões graves e uma punição pesada com doping, teve seu declínio acelerado, colocando-o em uma categoria diferente da que poderia estar.
- “E se…?”
Essa é a categoria que fala dos jogadores até 2015, também, que pareceram sonhos de verão. Tiveram momentos icônicos, jogadas plásticas e deram a sensação de que poderiam ser “a cara” do futebol por um brevíssimo momento da vida. Mas serão lembrados sempre como um grande “e se”. O que poderia ter sido Alexandre Pato, exaltado pela revista Placar como o herdeiro da camisa 9 da seleção, ainda nos tempos de Milan. Isso já faz 12, 14 anos. O retorno ao Brasil não foi bom, a passagem pelo Chelsea foi apagada. Entre relacionamentos com famosas e um histórico longo de lesões, nunca conseguiu explodir todo seu potencial.
Anderson, um dos heróis da “Batalha dos Aflitos”, ainda aos 17 anos, teve uma passagem ótima por Portugal, virou um jogador polivalente no United e… sumiu. Tentou recuperar a carreira por anos, sem nunca ser sombra do menino que brilhou no Mundial Sub-20. E o que falar de Balotelli, o mais polêmico e caricato atacante da sua geração? Quem se não ele levantaria uma camisa com os dizeres “por que sempre eu?”. A Euro espetacular em 2012 já completou mais de década e o currículo de Super Mario indica que ele se tornou um andarilho da bola, com uma carreira que será lembrada mais pela personalidade inquieta do que pelos gols.
Götze, autor do gol do tetra da Alemanha é outro que será lembrado tão e somente por esse momento. Transferido ao Bayern, não se estabeleceu, conviveu com lesões, chegou a ficar sem clube e encerrou sua carreira rodando por times de menor relevância, com pouco ou nenhum destaque. Martial, ainda com 28 anos, parece o caso mais triste da lista. Após uma temporada de sonhos no Monaco, foi para um Manchester United em reconstrução – e um tanto disfuncional -, lidou com lesões, banco e está atualmente sem clube, tendo, inclusive, sido especulado para times brasileiros.
- Home runs
A escolha perfeita. Messi é o exemplo máximo de uma premiação bem dada, mas os últimos anos também tiveram acertos claros. O trio Mbappe, Haaland e Bellingham – todos com 25 anos ou menos – já está entre as principais caras do esporte. São grandes estrelas, jogam em times e/ou seleções de destaque, estão sempre nas capas de portais. Dificilmente contaremos a história dos anos 2020 sem citar os vencedores de 2017, 2020 e 2023. E mais: não tardará até que alguém dessa lista vença o Ballon D’or.
- Cedo para concluir
Aqui são os nomes a partir de 2016 que ainda não viraram tudo que se esperava – e que talvez nunca virem -, mas ainda têm carreira o bastante pela frente para se reinventar e encontrar melhores situações para si. Renato Sanches é quem mais aparenta ser um “produto pronto”. É o mais velho desses e já possui uma bagagem grande na carreira. De volta ao Benfica, clube que o formou, talvez reencontre o futebol que o projetou para o mundo.
Matthijs de Ligt, Pedri e Gavi são muito jovens e os 3 pertencem ao presente e futuro de seus times e seleções. Por questões diversas – como lesões, mudanças de comando e má sorte -, ainda não decolaram tanto quanto se esperava, mas parece questão de tempo para os 3. O caso mais emblemático, de fato, é João Félix. Não lhe falta talento – e isso fica evidente ao observa-lo jogar. Ao mesmo tempo, ele parece um dos casos clássicos de “talento que não se traduz em campo”. Pelo nível de talento e expectativa, deveria ser um protagonista, mas nunca conseguiu ser. E não parece confortável em abraçar um papel de menor relevância, o que o torna uma peça impossível de encaixar, tanto em time, quanto na seleção.
E o que esperar do Golden Boy 2024?
Lamine Yamal pode ser o mais jovem vencedor do prêmio em 22 edições de Golden Boy. O desempenho de alto nível somado ao título na Euro, e o começo de temporada bastante promissor num renovado Barcelona dão clara vantagem ao espanhol em relação à concorrência – hoje, Alejandro Garnacho e Kobe Mainoo, ambos do Manchester United, são vistos como principais concorrentes.
Yamal é a história perfeita para se contar. Foi “ungido” por Messi (ou seria o contrário?), venceu coisas importantes, joga em um dos times mais celebrados do mundo por sua formação. E já é um jogador essencial ao time. Com a saída de cena dos grandes nomes dos últimos 15 anos, ele deverá disputar espaço com Haaland, Mbappe, Vini Jr. e outros pelo posto de “cara do futebol”.
Se conseguir se manter longe de lesões, logo logo integrará a lista de “home runs”, o 5º em 22 anos. Nada mal.
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