Muitas pessoas ao redor do mundo foram apanhadas de surpresa quando a Federação Alemã de Futebol (DFB) anunciou por meio de um curto comunicado de imprensa de quatro parágrafos que a empresa norte-americana Nike substituiria a sua rival alemã Adidas como fornecedora oficial de uniformes das suas seleções nacionais a partir de 2027 até a temporada de 2034.
De todos os detalhes que surgiram e que estão sendo debatidos sobre o inesperado e histórico acordo de oito anos, há um detalhe fundamental para se manter em mente: com uma oferta no valor de 100 milhões de euros por ano, a Nike estava preparada para pagar quase o dobro do que a Adidas estava oferecendo para continuar a parceria.
Timing ideal para a Nike vencer a Adidas
A Nike já havia tentado “roubar” o fornecimento do uniforme da seleção alemã da Adidas e, em 2007, fez à DFB uma oferta no valor de US$ 500 milhões ao longo de oito anos. Mas o órgão dirigente do futebol alemão manteve-se ferozmente leal à Adidas, proibindo até mesmo os jogadores patrocinados pela Nike de usarem as chuteiras da empresa enquanto representavam a seleção nacional no início dos anos 2000.
No entanto, o fraco desempenho da equipe masculina nos últimos torneios internacionais significa que o futebol alemão não está numa posição tão forte como estava naquela altura. A DFB foi bastante franca ao dizer que o valor expressivo da oferta da Nike foi a principal motivação para fazer a mudança, com o seu tesoureiro a enfatizar que a federação pode agora olhar para “um futuro financeiramente estável novamente”.
Ainda assim, a revolta contra o novo acordo de fornecimento da DFB foi tão grande que a entidade se sentiu compelida a publicar uma sessão de perguntas e respostas em seu site, que explicava que a federação havia conduzido um processo de licitação transparente e se apoiava fortemente no fato de apoiar financeiramente seus 7,3 milhões de membros – em vez de serem financiados por eles.
Na verdade, se colocarmos a nostalgia, o legado e a tradição de lado, faz todo o sentido comercial que a DFB aceite uma oferta que duplica o que recebe no âmbito do seu acordo atual – quer a sua justificação altruísta seja genuína ou não.
Outro fator que deve ser levado em consideração é a saúde financeira da própria Adidas, que passou os últimos anos enfrentando consequências do fim da sua parceria com o rapper Kanye West e as implicações que isso teve nas vendas da sua lucrativa linha Yeezy. Depois de reportar um declínio de 7,6% nas receitas e uma perda líquida de 58 milhões de euros no exercício financeiro de 2023, duplicar a sua taxa anual para a DFB poderia ter sido um luxo que a Adidas não poderia se permitir.
Essa coincidência de fatores criou a tempestade perfeita para a Nike tirar partido – uma federação que precisava de mais dinheiro e um rival que não estava em condições de corresponder a uma grande oferta.
Revolta alemã
O problema do esporte é que não se pode simplesmente deixar o legado, a tradição e a nostalgia de lado. A Adidas é parceira da DFB desde a década de 1950 e tem sido sinônimo do sucesso das seleções nacionais masculina e feminina da Alemanha, que ostentaram o logotipo da empresa durante 14 triunfos em Copas do Mundo e Campeonatos Europeus.
Em muitos aspectos, a longevidade do relacionamento da Adidas com a DFB significa que as três listras da marca estão tecidas no futebol alemão – literal e figurativamente. À primeira vista, a empresa parece ter perdido um contrato que nunca deveria perder.
Além disso, a Adidas é uma história de sucesso alemã e estabeleceu-se como uma das marcas mais reconhecidas do país, ao lado de fabricantes de automóveis como a Mercedes-Benz e a Volkswagen. No setor de roupas esportivas – e principalmente em roupas e equipamentos de futebol – é uma das duas empresas que dominam o mercado globalmente.
Para a Nike, a sua maior rival, cortar essa relação era, portanto, impensável até à semana passada. No mínimo, é a maior demonstração de força da Nike, cujo presidente-executivo, John Donahoe, disse que o acordo provou que “ninguém pode nos vencer”.
A polêmica troca de fornecedor esportivo não passou batida nem para os políticos alemães, incluindo o ministro da Economia, Robert Habeck, que disse que “teria esperado mais patriotismo” da DFB no meio da disputa entre Adidas e Nike.
A Adidas pode se recuperar desse golpe?
Realmente, o orgulho da Adidas pode ter sido ferido e o preço das suas ações cairam logo após o anúncio da DFB. Mas a empresa pode ser elogiada por se aliar à razão em detrimento da emoção, ao não se deixar atrair para uma guerra financeira com a Nike numa altura em que o dinheiro está escasso e a seleção alemã apresenta um desempenho insatisfatório.
Embora possa ter sofrido o fim abrupto de uma de suas parcerias mais antigas, isso não terá um impacto significativo na posição da empresa no futebol. A nível internacional, a Adidas tem acordos com Argentina e Itália, duas seleções do topo, e ainda fornecerá os kits da Alemanha no Mundial de 2026 – torneio que também patrocinará.
Além disso, do ponto de vista de relações públicas, a Adidas está sendo retratada como vítima da situação, o que pode tornar difícil para a Nike conquistar os leais fãs do futebol alemão quando se tornar oficialmente fornecedora de equipamentos da DFB em 2027.
Esse é um obstáculo que a empresa norte-americana estará confiante em ultrapassar, mas a destituição da Adidas como fornecedora de equipamentos da seleção de futebol alemã não deverá desviar a atenção de alguns dos desafios maiores que a Nike enfrenta.
O anúncio da DFB foi oportuno para a empresa, depois de ter alertado que a sua receita no primeiro semestre do ano fiscal de 2025 provavelmente diminuirá, à medida que pretende reduzir produtos-chave. Ao fazer parceria com a DFB, a Nike certamente venceu uma batalha pública no território da sua maior rival, mas as duas principais marcas de vestuário esportivo do mundo têm, sem dúvidas, desafios maiores a enfrentar.