Mesmo sendo uma das ligas mais tradicionais dos Estados Unidos, a Major League Baseball (MLB) encontrou nas inovações tecnológicas o caminho para se manter relevante no presente — e mirar o futuro com protagonismo. Em um cenário esportivo global cada vez mais competitivo, a liga se transformou em um verdadeiro laboratório de soluções digitais, desde o pioneirismo no streaming até a adoção de inteligência artificial, experiências imersivas e novos modelos de distribuição de conteúdo.
A ascensão recente da MLB como referência em tecnologia não é por acaso. Trata-se de uma evolução que tem raízes profundas, uma história marcada por ousadia e visão estratégica — inclusive quando outras ligas hesitavam. Hoje, mesmo atrás da NFL e da NBA em termos de audiência nacional, o beisebol se destaca por liderar transformações estruturais que moldam o futuro do consumo esportivo.
Do rádio ao streaming: um histórico de inovação
Não é de hoje que a MLB explora novos meios para ampliar o alcance do esporte. O primeiro jogo transmitido por rádio nos Estados Unidos foi justamente um duelo entre Philadelphia Phillies e Pittsburgh Pirates, em 1921. Na televisão, a liga também foi precursora: teve jogos transmitidos já na década de 1930, com a World Series sendo exibida anualmente desde 1947.
Esse histórico de protagonismo nos meios de comunicação se consolidou no início dos anos 2000, quando a MLB centralizou seus direitos digitais e criou a MLB Advanced Media (MLBAM). Foi o primeiro grande campeonato esportivo a transmitir uma partida ao vivo pela internet, ainda em 2002. Anos depois, a liga venderia sua divisão de streaming para a Disney — reforçando sua imagem como tech leader no mercado esportivo.
Ecossistema digital robusto e parcerias estratégicas
Hoje, a MLB não apenas distribui conteúdo em múltiplas plataformas — de canais lineares como ESPN e FOX a streamings como Apple TV+ e Roku — como também se estrutura para operar uma jornada digital integrada. A liga desenvolveu soluções próprias como o MLB.TV e o aplicativo MLB Ballpark, e conta com parcerias de peso para ampliar suas capacidades.
Com a Google Cloud, a MLB coleta e processa dados em tempo real para entregar transmissões mais rápidas e personalizadas. Já com a Adobe, ela gerencia informações de fãs e campanhas de marketing customizadas com base no comportamento do torcedor. A parceria com a Apple, que começou com o lançamento do primeiro app esportivo no iPhone, agora inclui experiências imersivas no Apple Vision Pro e funcionalidades avançadas para scouts e técnicos no MLB Dugout.
Além disso, a MLB firmou uma extensão de oito anos com a Sportradar, sua fornecedora oficial de dados, para aplicar inteligência artificial no desenvolvimento de experiências hiperpersonalizadas. A liga inclusive adquiriu participação acionária na empresa como parte da negociação.
Nova geração de torcedores, novas dinâmicas de jogo
Parte da estratégia para rejuvenescimento da base de fãs envolve mudanças diretas no produto em campo. A mais significativa delas foi a introdução do pitch clock — um cronômetro para acelerar o ritmo das partidas. A medida reduziu em até 30 minutos a duração dos jogos, agradou emissoras e impulsionou a audiência entre os mais jovens.

Outro avanço que ainda está em fase de testes é o Automated Ball-Strike System (ABS), um sistema automatizado para marcação de bolas e strikes baseado na tecnologia de rastreamento da Hawk-Eye. Ele cria uma zona de strike virtual com base na trajetória da bola, permitindo que os jogadores contestem decisões de arbitragem em tempo real.
Modelo de mídia fragmentado, mas flexível
Com a temporada regular mais longa entre as grandes ligas norte-americanas, a MLB tem flexibilidade para negociar pacotes de direitos com diversos parceiros. Atualmente, fatura cerca de US$ 2 bilhões anuais com contratos nacionais com ESPN, FOX e Warner Bros. Discovery — além de acordos menores com Apple e Roku, que juntos somam US$ 95 milhões ao ano.
No entanto, essa pulverização gerou críticas sobre a fragmentação do conteúdo, o que levou a ESPN a antecipar sua saída do contrato. A expectativa é que players como Netflix e Amazon passem a disputar espaço no mercado. Paralelamente, a MLB também tem investido em um modelo direto ao consumidor (DTC), com clubes lançando plataformas próprias de streaming e a própria liga assumindo a produção local de jogos para cinco franquias.
Perspectivas: consolidação e internacionalização
Com mais de 14 equipes oferecendo pacotes de streaming locais, a MLB se prepara para um novo ciclo de consumo esportivo, em que a conexão direta com o torcedor e o controle dos dados se tornam ativos centrais. Há ainda planos de consolidar direitos locais e nacionais em pacotes únicos, com potencial de aumentar receitas e reduzir a complexidade do acesso para os fãs.

No mercado internacional, o MLB.TV já transmite todos os jogos da temporada globalmente, enquanto a MLB Network ampliou sua distribuição via DTC. A expectativa é de expansão ainda maior, com foco em novos mercados, experiências imersivas e gamificação — incluindo colecionáveis digitais com a Sorare e parcerias em jogos como MLB: The Show, da Sony.
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Entre tradição e disrupção
A MLB é, talvez, a liga esportiva que melhor representa a dualidade entre passado e futuro. De um lado, o esporte que ajudou a construir a identidade cultural dos Estados Unidos. Do outro, uma organização com mentalidade aberta à experimentação, capaz de antecipar tendências e influenciar o mercado global.
Mais do que se adaptar, a liga decidiu liderar. E em um ambiente onde inovação é cada vez mais requisito para sobrevivência, o beisebol mostra que ainda pode ser — e continuar sendo — o jogo da América. Só que agora, com dados em nuvem, IA no scouting e realidade aumentada no estádio.