Entrevista: Márcio Tannure fala sobre Flamengo, MMA e a medicina no esporte

O chefe do Departamento Médico rubro-negro e médico oficial do UFC no Brasil sempre sonhou em trabalhar com esporte


Por Raphael Crespo

1 de abril de 2021

Márcio Tannure - Medicina Esportiva

Filho e neto de médicos, o carioca Márcio Tannure foi o único de quatro irmãos a optar pela mesma carreira. O foco inicial, no entanto, nunca foi a medicina, mas o esporte. E por se considerar um “atleta frustrado”, acabou encontrando nos departamentos médicos uma forma de vivenciar e trabalhar no mundo esportivo.

Formado em Medicina no ano de 2004, pela Faculdade Gama Filho, no Rio de Janeiro, Márcio Tannure só conseguiu juntar os dois mundos quando seguiu para a residência na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Por conta do sonho de trabalhar com esporte, escolheu como especialidade a Ortopedia e Traumatologia, com pós em Medicina Ortomolecular. Antes mesmo de se formar na faculdade, foi bater na porta do Flamengo, em 2002, em busca de um estágio.

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Sobre o Dr. Márcio Tannure

Hoje, o Dr. Márcio Tannure é chefe do Departamento Médico do Flamengo e o médico oficial do UFC no Brasil. Além de Membro Titular da Sociedade Brasileira de Traumatologia e Ortopedia (SBOT) e da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Trauma do Esporte (SBRATE).

A história toda você vê nesse papo exclusivo do Dr. Márcio Tannure com o Sport Insider:

Para trabalhar no esporte como médico, quais são as principais características do profissional? E como entrar nesse mercado?

Acho que todo profissional tem que ter um perfil de liderança. E para trabalhar no esporte, especificamente, é importante que ele saiba trabalhar em equipe. No esporte existem equipes multidisciplinares. Eu acho que a maneira de entrar no mercado é começar ou em equipes menores ou em categorias de base, para que ele possa ir tendo o aprendizado nesse período e, consequentemente, trilhar uma carreira até chegar no profissional, que é o ápice para qualquer um.

Por que trabalhar com esporte? Sempre foi seu objetivo, desde que entrou para a faculdade de Medicina?

Desde que eu entrei na faculdade, meu objetivo era trabalhar com esporte. Talvez porque desde a minha infância eu tenha praticado esportes e atividades físicas. E talvez porque eu tenha sido um atleta frustrado, que não conseguiu chegar a um nível profissional. E a medicina esportiva me deu essa oportunidade de poder dar continuidade a essa minha carreira no esporte, de poder estar nos bastidores, de ajudar e participar diretamente. E isso me deixa muito feliz e realizado nos dias de hoje.

Dentro da medicina há diversas especialidades. E você escolheu Ortopedia e Traumatologia. Foi por causa do esporte?

Na verdade, eu já escolhi o esporte antes mesmo de escolher a Ortopedia e Traumatologia. Desde que eu entrei na faculdade eu já sabia que queria trabalhar com o esporte, mas não especificamente em qual área, se na clínica ou cirúrgica. E quando eu conheci a Ortopedia e Traumatologia eu gostei, me identifiquei muito, junto com a parte de Fisiologia do Exercício, que foram as duas especialidades que eu fiz, para poder trabalhar não só na parte clínica como na traumatológica, também.

Você entrou no Flamengo como estagiário. Como surgiu essa chance e qual é a importância do clube na sua formação?

Essa oportunidade, na verdade, foi criada por mim mesmo. Sempre tive essa vontade e fui atrás de pessoas ligadas ao clube, perguntando sobre a possibilidade de um estágio. Até que eu consegui uma entrevista com um coordenador da base na época, que me deu essa oportunidade. Com certeza isso foi muito importante em toda a minha informação. Tive experiência com diversos profissionais, alguns inclusive, hoje, se encontram no profissional e trabalham comigo até hoje. Outros já não estão mais no Flamengo. Mas todos deixaram sua participação na minha formação e sou muito grato por isso. Mesmo que alguns não tenha sido meus professores, com certeza aprendi muito com todos.

Ao longo de sua trajetória no Flamengo, você tocava paralelamente um consultório próprio? Quando abriu?

Sim, meu consultório particular eu abri em 2005. Até hoje eu tenho a minha clínica, que eu toco junto com o Flamengo. É lógico que o Flamengo é a minha prioridade, ocupa oitenta por cento do meu tempo. Mas eu consigo manter a minha clínica e espero seguir assim por muito tempo, pois acho importante trazer essa prática do esporte para a minha clínica privada.

(Crédito: reprodução do Instagram)
A Seleção Brasileira também está no seu currículo. Como aconteceu o convite e como foi a experiência?

Inicialmente o convite veio por intermédio do Dr. Adílson Camargo, que na época era o coordenador das categorias de base. Foi quando surgiu a minha primeira convocação. Depois ele saiu e entrou o Dr. José Luiz Runco.

A partir dali eu virei o coordenador médico de todas as categorias de base, onde fiquei entre 2007 e 2012, período em que conquistamos dois Sul-Americanos Sub20, um Pré-Olímpico Sub-20, um Campeonato Mundial Sub-20, que foi o último da Seleção até hoje, e um vice-Campeonato Mundial Sub-20. Tenho muito orgulho de todo o tempo passado lá, todo o trabalho realizado, toda a experiência adquirida. E guardo com muito carinho esse tempo que passei por lá.

Você é o médico oficial do UFC no Brasil. Como aconteceu essa oportunidade e qual é o tipo de trabalho que você desenvolve?

Antes de começar a trabalhar com o UFC eu já atendia vários atletas da organização. Participei da abertura da academia Black House, dedicada a treinamento e preparação de atletas do UFC, com nomes como Anderson Silva, Vitor Belfort, Minotauro, Minotouro, Pedro Rizzo, Ricardo Arona, entre outros. José Aldo e Júnior Cigano também chegaram a passar um tempo lá com a gente. Isso foi em 2005.

E a partir dali eu comecei a me envolver muito com a questão do MMA, acompanhando os atletas diretamente nos eventos. E em 2011, antes de eles virem para o Brasil, pro UFC Rio, foi solicitada a indicação de um médico que tivesse experiência com esportes de luta. E indicaram meu nome. O UFC entrou em contato comigo, fez o convite oficial. E desde então eu trabalho com eles e sou o médico oficial da organização no Brasil. Tenho um orgulho muito grande de ter ajudado a criar a Comissão Atlética Brasileira de MMA, que não existia no país até então.

Em termos de prevenção e também de cura de lesões, quais são as diferenças mais significativas entre o futebol e o MMA?

Acho que as diferenças mais significativas estão no fato de que o futebol é um esporte coletivo, enquanto o MMA é individual. No coletivo, quando um jogador está lesionado, ele pode ser substituído e ainda assim tem jogo. No MMA, não. O nível de treinamento é muito intenso. Eles lutam a cada três ou quatro meses. Mas a exigência nos treinos é muito grande. Acho que não existia tanta tecnologia no MMA, que já existe há algum tempo no futebol.

Mas o MMA está se aperfeiçoando nisso. O UFC hoje tem um instituto de performance em Las Vegas (EUA), lançado há um ano e meio. É um cento de treinamento de prevenção e performance com todas as aparelhagens do mais alto nível, onde todas as avaliações físicas, fisiológicas, biomecânicas e médicas são realizadas. E os trabalhos de prevenção e de preparação para isso também. O MMA vem se profissionalizando cada vez mais e o UFC, principalmente, vem investindo muito nessa área.

Quanto do seu trabalho, hoje em dia, é de gestor e quanto é de prática da medicina, propriamente dita.

Eu acho que a gente dá para dissociar as coisas. Acho que seria 50/50. Sou o chefe do departamento médico, um gestor de pessoas da minha equipe. Mas por todo o tempo, quando a gente está fazendo um trabalho de prevenção, um controle de carga com a preparação física, um acompanhamento de suplementação alimentar junto com a nutrição, estamos fazendo um trabalho de medicina. Uma vez que a gente está trabalhando para promover saúde, para melhorar a performance, para prevenir lesão, é um trabalho que eu considero como um trabalho médico, também. Então, é difícil de estabelecer essa divisão de quanto eu faço de um ou de outro. Acho que as duas coisas estão muito envolvidas. É difícil até separar ou quantificar. Em todos os momentos eu tenho que ser médico e gestor.