A World Surf League (WSL) é o maior campeonato mundial de surfe. Por mais que, por muitos anos, o esporte tenha ficado parcialmente segregado de outras modalidades esportivas mais tradicionais, hoje em dia, o surfe tem tido cada vez mais relevância no cenário esportivo internacional, atraindo milhares de fãs pelo mundo e conquistando seu lugar em campeonatos esportivos de peso, como as Olimpíadas. Os Jogos Olímpicos de Verão de 2020, em Tóquio, foram os primeiros da história a incluir o surfe.
A cultura do surfe de contato com a natureza e de viver o momento presente como meio de satisfação pessoal torna-se uma válvula de escape para a correria da vida moderna e para a ilusão da felicidade no consumo. Esse aspecto quase que terapêutico, numa sociedade cada vez mais necessitada de refúgios, ajudaram o surfe a se estabelecer como esporte e fugir dos antigos preconceitos. São Paulo, por exemplo, registrou um aumento exponencial na quantidade de praticantes do surfe, abrindo portas para todo um mercado de pranchas, utensílios e marcas de roupa.
Tipos de surfe e etapas da WSL
O surfe tem a natureza em sua essência. O esporte depende das características de cada local em que é praticado. Um surfista completo deve saber surfar em todos os tipos de ondas e de mares e a WSL testa essa competência, espalhando fases da competição ao redor do mundo. A partir do calendário já definido para a edição de 2022, é possível notar quais são as diferentes características dos mares que vão sediar as etapas da competição.
- Pipeline, Havaí – 29 de janeiro a 10 de fevereiro
- Sunset, Havaí – 11 a 23 de fevereiro
- Peniche, Portugal – 3 a 13 de março
- Bells Beach, Austrália – 10 a 20 de abril
- Margaret River, Western Australia – 24 de abril a 4 de maio
- Corte de meio de temporada
- G-Land, Indonésia – 28 de maio a 6 de junho
- Punta Roca, EL Salvador – 12 a 20 de junho
- Saquarema, Brasil – 23 de junho a 30 de junho
- Jeffreys Bay, África do Sul – 12 a 21 de julho
- Teahupo’o, Tahiti – 11 a 21 de agosto
- Finais da WSL (San Clemente, Califórnia) – 8 a 16 de setembro
Pipeline
Começando pela etapa mais famosa do circuito mundial de surfe, o mar de Pipeline, no Havaí, é um dos mais famosos do mundo pelo tamanho e formato de suas ondas e pelo perigo que é surfar em suas águas. O Pipeline tem uma formação muito peculiar, pois possui recifes de corais que começam muito perto da costa e ficam a poucos metros da superfície da água. Como a praia de Pipeline fica exposta ao mar aberto, a agitação das águas forma ondas enormes ao encontrar a repentina diminuição de profundidade causada pelos corais.
Bells Beach
Bells Beach, na Austrália, é conhecida como uma praia de ondas de velocidade. Por conta dessa característica, o principal estilo de surfe nessa região é o surfe de carving, uma das manobras mais essenciais do surfe, que usa da velocidade para “derrapar” na onda, mudando de direção repentinamente. O aéreo não funciona bem nesse ambiente, uma vez que mares muito rápidos fazem com que o surfista tenha que ficar na parte superior da onda. Outra característica dessa praia é que as ondas nascem e quebram do lado direito para o esquerdo. As ondas de Bells Beach também são ótimas para pegar tubos, por serem longas e contínuas.
Saquarema
Localizada no estado do Rio de Janeiro, a praia de Saquarema possui o melhor dos dois mundos mencionados acima. Na maioria das ocasiões, as ondas não são tão grandes e rápidas, dando oportunidade para que os surfistas aproveitem da menor dificuldade para realizarem manobras mais difíceis e que exigem mais controle da prancha, como os aéreos. Quando as condições estão ideais para ondas grandes, também é possível pegar tubos e fazer carvings com intensidade.
Critérios de avaliação
O campeonato da WSL é composto por várias etapas, cada uma com uma colocação parcial que premia os surfistas com pontos. Muitas vezes, os telespectadores casuais podem, ao assistir uma fase do campeonato, discordar das notas dadas às manobras dos surfistas e às ondas que pegaram. Porém, por mais que a avaliação seja subjetiva, existem padrões e procedimentos que almejam padronizar ao máximo as notas concedidas. Para evitar possíveis polêmicas, a própria WSL tem, em seu site oficial, uma página destinada a explicar os critérios de avaliação ao público.
Em cada fase da WSL, cinco juízes são alocados para julgar as manobras dos surfistas, em uma escala de 0 a 10. A análise técnica compreende 8 principais aspectos: comprometimento, grau de dificuldade, inovatividade, progressão, variedade de manobras, velocidade, intensidade e “flow”. O comprometimento é avaliado com base em quanto o surfista se empenhou para realizar a manobra em seu mais alto nível, o que aumenta o risco de erro. A inovatividade implica na capacidade do surfista de incrementar uma manobra tradicional com um traço pessoal ou até inventar uma manobra nova. A intensidade de uma manobra, de forma simplificada, é avaliada pelo tamanho das batidas da prancha e pela quantidade de água espirrada.
Brazilian Storm
“Brazilian Storm” é um termo que surgiu espontaneamente pelos amantes do esporte para se referir a nova geração de surfistas brasileiros, que chegou com muita força ao circuito mundial, sendo extremamente competitiva e dominando o circuito nos últimos anos. Desde 2014, foram 5 títulos mundiais masculinos, sendo alguns desses, como em 2021, disputados até a última etapa por atletas brasileiros. Entre 2015 e 2019, das 66 etapas disputadas, 30 foram vencidas por brasileiros. Além dos principais atletas, o Brasil conta com uma grande quantidade de surfistas no circuito mundial. Na edição de 2019, o país foi o que contou com mais atletas no campeonato masculino, com 11 surfistas.
Surfista | Idade | Conquistas |
Gabriel Medina | 28 | Campeão mundial (2014, 2018, 2021) |
Ítalo Ferreira | 28 | Campeão Mundial (2019) e Ouro olímpico Tóquio 2020 |
Adriano de Souza | 35 | Campeão Mundial (2015) |
Tatiana Weston-Webb | 26 | Vice-campeã mundial (2021) |
Felipe Toledo | 27 | Vice-campeão mundial (2021) |
Para esses atletas brasileiros chegarem a tal sucesso, foi necessário que o esporte se consolidasse no país, o que ocorreu de forma lenta comparado a outras potências do esporte, como Estados Unidos e Austrália. A consolidação se deu pela popularização da cultura do esporte e por atletas relevantes, como o padrasto de Gabriel Medina, que o introduziu ao esporte e foi seu treinador na primeira conquista mundial.
Porém, a relevância do surfe se consolidou apenas na primeira participação do esporte nos Jogos Olímpicos, em Tóquio 2020, com a medalha de ouro para o potiguar Ítalo Ferreira. Com o aumento da relevância do esporte e dos atletas, o mundo do surfe começou a receber grandes investimentos, inclusive em patrocínios.
Atletas brasileiros, como Gabriel Medina e Ítalo Ferreira, estão entre os que mais recebem de seus patrocínios de marcas gigantes, como Mitsubishi, Audi, Ford, Gilette, entre outras. De acordo com dados da temporada de 2018, Medina recebeu aproximadamente 413 mil euros de premiação dos campeonatos e 3.5 milhões de euros em patrocínio.
Crescimento da WSL como negócio
A WSL entrou no mercado do surfe em 2015, com a proposta de revolucionar o esporte ao promover uma liga organizada, centralizada e mais globalizada, com campeonatos do mais alto nível, tanto masculino quanto feminino, campeonatos juniores e séries de classificação para os eventos principais.
A liga obteve um crescimento extremamente rápido, principalmente devido às redes sociais. Segundo o portal Hashtag Sports, o esporte cresceu 1500% nas redes nos últimos anos, devido ao grande investimento em marketing e branding da marca. A WSL também transmite alguns de seus eventos de graça pelo seu aplicativo oficial, o que integra ainda mais os fãs com a liga e seus patrocinadores. A liga também alcançou a marca de mais de 8 milhões de horas de conteúdo consumidas na internet durante a temporada de 2017, o que tornou o surfe o terceiro esporte mais assistido online nos Estados Unidos, atrás apenas da NFL e da NBA.
O esporte também teve uma grande expansão no Brasil, principalmente graças à “Brazilian Storm”. Segundo o Instituto Brasileiro de Surfe (Ibrasurfe), o mercado do surfe movimenta R$ 7 bilhões ao ano, com pranchas, roupas, entre outros produtos – sem contar com turismo e outros mercados. No país, o esporte possuí 3,7 milhões de praticantes e esse número vem crescendo cada vez mais, mas o número de consumidores é ainda maior. Por isso, a WSL investe forte no território nacional, com um escritório localizado em Florianópolis-SC. Além disso, a liga conta com diversos patrocinadores nacionais e, no fim do ano passado, a associação assinou um contrato com a gigante de comunicação Globo, aumentando ainda mais a relevância do esporte no Brasil, já que algumas etapas poderão ser transmitidas em TV aberta e todas as etapas serão transmitidas via canais fechados do grupo e pelo serviço de streaming Globoplay.
Perfil dos patrocinadores e imagem da WSL
Com o crescimento da liga, o número de patrocinadores e dos valores investidos também cresceu. Anteriormente, a maioria dos patrocinadores do esporte eram as marcas de surfwear, como Rip Curl e Billabong, que continuam patrocinando eventos. Atualmente, marcas de diversos setores passaram a patrocinar o esporte, mudando o perfil dos patrocinadores graças à popularização além do antigo nicho. Para a etapa realizada em Saquarema, o evento contará com uma grande diversidade de patrocinadores, como Havaianas, Oak Berry Açaí, Corona, Red Bull, Localiza, Oi, Oakley, Unicesumar, Austalian Gold e Banco do Brasil.
Para o público em geral, a liga passa uma imagem de autenticidade e modernidade, investindo pesado nas categorias femininas e em causas ambientais. A liga foi uma das primeiras no mundo a garantir pagamento igualitário em premiação para homens e mulheres, representando um grande avanço para o esporte feminino no mundo inteiro. A organização também é extremamente engajada com causas ambientais, com projetos e ações para a proteção dos oceanos, como a parceria com a Corona x Parley, em uma ação para a despoluição dos oceanos, divulgada fortemente nos eventos do campeonato mundial.
O principal valor da liga para os patrocinadores é assimilar suas marcas a um estilo de vida alternativo e em contato com a natureza, como alternativa para o bem estar em contraponto à vida urbana saturada e capitalista.
Por Enzo Carlesimo e Frederico Branco