Os desafios do surfe olímpico no Taiti 

Saiba mais sobre as vantagens e os riscos envolvidos na escolha do Taiti para sediar os Jogos Olímpicos de Paris


Por Cassio Bagnoli

3 de abril de 2024

Parceria Editorial

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Os desafios do surfe olímpico no Taiti (Foto: Reprodução / WSL)

Em agosto de 2016, durante a 129º sessão do Comitê Olímpico Internacional (COI), o Surfe carimbou o seu lugar nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Na época, o Brasil vivia o início da Brazilian Storm, liderados principalmente por Adriano de Souza e Gabriel Medina, que vinham de dois títulos consecutivos para o país na World Surf League (WSL), a principal competição do esporte até então. 

Com isso, a expectativa por resultados de nossos atletas para a edição japonesa dos jogos só cresceu. O final, todo mundo sabe, Ítalo Ferreira se tornou o primeiro campeão olímpico do esporte, mostrando a força do Brasil na modalidade. Agora, será a vez de Paris, ou melhor, do Taiti!  

Novamente, o Brasil irá com tudo em busca das medalhas, sendo a única nação a ter conquistado a cota máxima de seis participantes (três em cada gênero) para esta edição. Contudo, algumas situações surgiram logo após o anúncio do torneio olímpico na Polinésia Francesa. Apesar de contar com ótimos points de surfe em seu território continental, como a praia de Biarritz; a França optou pela escolha de Teahupoo como local de competições, uma decisão surpreendente e bastante arriscada. 

Integridade dos atletas 

O COI foi rápido em anunciar a praia de Teahupoo como uma das sedes dos Jogos de Paris. A decisão foi clara: atrair o público com uma das melhores ondas do mundo, somada à exuberância quase única proporcionada pelas ilhas da região. Algo que a praia de Tsurigasaki, no Japão, não pôde oferecer ao público olímpico em sua estreia. 

No entanto, a beleza extrema do local vem acompanhada de um alto grau de perigo para os surfistas. Tradicionalmente, as etapas da Liga Mundial de Surfe contam com ondas gigantes; por conta da sua localização geográfica, a praia recebe ondas que se formam no círculo Polar Antártico, Austrália e Nova Zelândia, e que só quebram no entorno da ilha, justamente onde há um grande recife de corais. Essa combinação é extremamente perigosa para qualquer surfista, até mesmo para aqueles com mais experiência. 

Por muitos anos, a WSL não permitiu que a competição feminina acontecesse no local, enquanto o campeonato corria em paralelo com o masculino. E, até mesmo para os homens, alguns deles preferem pela utilização de capacetes durante as provas. Algo um tanto incomum para o esporte.  

Definitivamente, não seria interessante para o surfe e para todo o movimento olímpico, que um acidente mais grave acontecesse durante o maior espetáculo esportivo. Nestes jogos, atletas novatas como a chinesa Siqi Yang, e a nicaraguense, Candelaria Resano podem aparecer, e, com certeza, não estão preparadas para enfrentar a “Parede de Caveiras”, significado de Teahupoo no dialeto local. Há alguns meses, surfistas já classificados para os jogos vêm realizando camps na região, com o intuito de estarem preparados e aptos para enfrentarem o “Monstro Azul”. 

Questões ambientais 

Um dos maiores desafios está relacionado à sustentabilidade. Por se tratar de um esporte que nasceu, e depende da natureza para acontecer, o surfe e todos os seus stakeholders, sempre se preocuparam em realizar eventos sustentáveis e com baixíssimo impacto no meio ambiente. Inicialmente, a população local ficou animada com a ideia do torneio olímpico acontecendo em seu quintal, a quase 16 mil quilômetros da capital francesa. Mas, rapidamente, as coisas mudaram. 

Por causa da formação geográfica da praia, e a pouca estrutura da região, algumas medidas logísticas foram tomadas pelo governo local, comitê olímpico e pela International Surfing Association (ISA), para que todos os envolvidos na realização do evento pudessem ter a melhor tecnologia e equipamentos disponíveis; como por exemplo, a garantia de um navio de cruzeiro que atendesse a todos, desde os surfistas até os jornalistas que irão cobrir as disputas. 

As ondas de Teahupoo quebram ainda em alto-mar, por isso se fazia necessária a presença de um complexo de suporte para atletas, juízes e equipe de transmissão, que por muitas vezes ficam dentro de barcos ao lado dos atletas durante as etapas da WSL. 

Logo, eles perceberam que a antiga torre de madeira dos juízes não estava dentro dos padrões esperados para o evento olímpico; e que uma nova estrutura precisaria ser erguida para a competição. Esse foi o gatilho para mudar a perspectiva da população local quanto à realização do evento. Ao saberem que esta nova estrutura seria feita à base de alumínio, podendo afetar a vida marinha, e principalmente após uma das embarcações acertar uma parte dos corais, destruindo-os. 

A partir daí alguns protestos aconteceram na ilha, e até uma petição com mais de 250 mil assinaturas foi realizada pelos habitantes. Mesmo com algumas propostas feitas pela ISA para alterar a base de transmissão e julgamento para o mar, ou da própria praia através de imagens aéreas; o governo local decidiu por seguir adiante com a construção da torre, em um projeto que danificasse o mínimo possível. 

Popularização x transmissão 

O surfe ainda briga pelo seu espaço dentro do cenário olímpico. Não são muitas nações que olham para o esporte com a devida atenção. As longas horas de transmissão e a falta de acesso à praias, mares e oceanos por parte de alguns países, dificulta ainda mais a proliferação do DNA deste esporte. 

Muito se deve ao presidente da ISA, o argentino, Fernando Aguerre, a inclusão do surfe no programa olímpico. Desde que ele começou o trabalho pela entrada do seu esporte – há mais de duas décadas – diversos países começaram a integrar o grupo de membros da federação internacional. 

Ainda assim, é notório o domínio de certas nações e continentes. As Américas, juntamente com Austrália, África do Sul e Japão costumam carimbar as primeiras posições dos pódios. Para se ter uma ideia, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, o continente europeu só conseguiu classificar dois atletas para a fase de oitavas, uma atleta de Portugal, e um surfista francês, em ambos os naipes. 

A Europa até possui alguns países com força mundial, como Portugal, França e Espanha, mas é só! Dessa forma, o surfe apresenta uma característica bastante estranha entre as modalidades olímpicas, por não ter uma presença massiva de nações europeias. Isso faz com que o interesse diminua, ainda mais entre aqueles que nem conseguem estar presente nas baterias 

Durante os Jogos de Paris, o surfe terá uma certa “exclusividade”, uma vez que as provas irão ter início quando não haverá quase nenhuma outra competição acontecendo. No Brasil, por exemplo, as baterias estão programadas para começarem às 14h00, no horário de Brasília, e terminando por volta da meia-noite. 

Porém, essa exclusividade não será tão benéfica para outras partes do mundo, como o próprio continente europeu, onde as Olimpíadas estarão rolando. Muitas empresas de transmissão oficiais, como a BBC, do Reino Unido, já demonstraram que não irão transmitir o evento ao vivo – vale lembrar que eles não terão nenhum representante nos Jogos -, deixando apenas highlights das provas para serem mostrados no dia seguinte. 

(Foto: Ed Sloane / Divulgação WSL)

Conclusão 

Aos poucos, o surfe vai se consolidando dentro do hall de esportes olímpicos. Seus atletas estão entre os mais seguidos nas redes sociais, e atraem um público jovem e novo para o cenário, um dos grandes desejos do COI, na atualidade. No entanto, as duas primeiras participações da modalidade nos Jogos, foi, e será cercada de grandes desafios; desde a pandemia para a edição de Tóquio, até a crise do impacto ambiental na Polinésia Francesa. 

Mesmo com todos esses problemas, o esporte já está garantido no programa permanente dos Jogos Olímpicos, e continuará trilhando o seu caminho em Los Angeles, daqui a quatro anos. Resta apenas saber como ele será, e se desta vez a audiência olímpica poderá, finalmente, apreciar tudo que a modalidade tem a oferecer. 

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