O preço do calendário lotado

Corpo no limite, mente em alerta: as perigosas consequências de um calendário implacável no esporte de elite


Por Guilherme Calafate

1 de janeiro de 2025

Nos últimos anos, o crescente volume de competições esportivas tem levado até os melhores atletas do mundo ao limite. O futebol europeu, as ligas norte-americanas e até o circuito global do tênis e do golfe apresentam calendários que desafiam não apenas o corpo dos jogadores, mas também sua saúde mental e qualidade de vida. Embora os contratos milionários possam sugerir uma troca justa, a pressão constante e a falta de recuperação colocam em risco suas carreiras e bem-estar a longo prazo.

A saturação do calendário no futebol europeu

O futebol é um dos maiores alvos dessa discussão. Com a introdução de novas competições, como o Mundial de Clubes reformulado e a expansão da Champions League, os jogadores de elite enfrentam uma carga de jogos sem precedentes. No caso do Real Madrid, um dos clubes mais bem-sucedidos da Europa, a previsão é que a temporada 2024/25 registre até 72 partidas, considerando todas as competições. E isso sem contar os compromissos com seleções nacionais, tours comerciais e viagens intercontinentais.

Essa intensa programação afeta diretamente o tempo de recuperação dos atletas. Segundo o Dr. José González, pioneiro em medicina esportiva, “os calendários sobrecarregados estão levando a mais lesões. Se há mais jogos, tem que haver menos treino. O que não pode acontecer é menos descanso”. O exemplo recente de Éder Militão, defensor do Real Madrid, que sofreu sua segunda ruptura de ligamento cruzado em duas temporadas, reflete esse cenário preocupante.

Jogadores como Rodri (Manchester City) e Bernardo Silva alertaram publicamente sobre a necessidade de repensar o calendário. Rodri chegou a sugerir que uma greve poderia ser inevitável se as entidades organizadoras não ouvissem as demandas dos atletas.

Impactos além do físico

Além das lesões físicas, o estresse mental e emocional é uma consequência muitas vezes ignorada. Jogadores são pressionados a manter um desempenho excelente em jogos consecutivos, o que leva a altos níveis de ansiedade e burnout. Bernardo Silva destacou o desequilíbrio entre sua carreira e vida pessoal: “Passo pouquíssimo tempo com minha família e amigos”.

O problema não se restringe aos homens. Nas competições femininas, a síndrome de Deficiência Energética Relativa no Esporte (RED-S) é um risco crescente. A pesquisadora Lara Terrés, especialista em ciências da saúde, explica que a baixa disponibilidade de energia pode causar transtornos alimentares e impactos psicológicos severos.

A realidade nas ligas norte-americanas

Nos Estados Unidos, a ótica é semelhante. A NFL expôs seus jogadores a uma temporada regular de 17 partidas em 2021, com o comissário Roger Goodell buscando avançar para 18 jogos. Enquanto isso, a MLB possui um impressionante total de 162 jogos anuais, e a NBA e a NHL mantêm calendários de 82 partidas.

Apesar das resistências, o formato prolongado se justifica pela lucratividade. Na NBA, por exemplo, o torneio de meio de temporada e o play-in nos playoffs adicionam novos jogos e audiências. Segundo a Forbes, a liga segue como a segunda competição esportiva mais valiosa do mundo. O mesmo ocorre na WNBA, que planeja uma expansão agressiva de 12 para 15 franquias até 2026, impulsionada pelo aumento de popularidade.

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Tênis e Golfe: O Exemplo do Circuito Internacional

Diferentemente de outras modalidades, o tênis e o golfe não viram uma grande expansão no número de torneios desde o início do século. No entanto, os jogadores ainda sofrem com os calendários exaustivos e a pressão competitiva. O tenista espanhol Carlos Alcaraz, um dos principais nomes do circuito, criticou a realidade atual: “Vão nos matar de alguma forma”. Seu colega Alexander Zverev acrescentou: “A ATP não se importa com as nossas opiniões; é um negócio de dinheiro”.

Embora o número de torneios tenha se mantido estável, o aumento dos valores de premiação tem atraído jogadores para eventos amistosos lucrativos, como o Laver Cup e torneios na Arábia Saudita. Andy Murray chegou a criticar a “hipocrisia” de alguns atletas, que reclamam do calendário, mas não recusam torneios extrajornada por milhões de dólares.

Consequências a longo prazo: uma reflexão necessária

Com a crescente demanda física e mental sobre os atletas, a discussão sobre o impacto do calendário é cada vez mais urgente. Real Madrid, Manchester City, PSG e outras potências esportivas dependem desses jogadores não apenas para vencer, mas também para gerar receitas bilionárias. O que está em jogo não é apenas o resultado de uma temporada, mas a longevidade das carreiras e a integridade dos atletas que fazem o esporte acontecer.

Até onde o esporte está disposto a ir? E o que os atletas estão dispostos a sacrificar? A resposta pode determinar o futuro de uma indústria multibilionária que, no ritmo atual, parece estar operando no limite do suportável.