Destino: Arábia Saudita

Entenda porque os investimentos do país em esportes não devem ser encarados como um tiro curto, e sim um plano ambicioso


Por Daniel Endebo

24 de agosto de 2023

Destino: Arábia Saudita

À essa altura, você já deve saber de cor o que é o PIF da Arábia Saudita, que o Neymar vai jogar contra o Cristiano Ronaldo e que a Saudi Pro League estará disponível em algumas plataformas de streaming por aí. A Arábia Saudita virou o centro do mundo esportivo nos últimos meses e há diversas razões para isso. Aqui, vamos dissecar um pouco as razões e motivações por trás desses movimentos.

Economia

O ponto mais importante para se entender aqui é: a Arábia Saudita quer diversificar sua economia. Hoje, cerca de 42% de toda riqueza produzida no país é oriunda do petróleo e cerca de 80% de suas exportações vem dessa mesma fonte. É basicamente dizer que qualquer alteração no consumo de petróleo do mundo transformará a economia saudita. E com os indícios de que a energia pode se esgotar nos próximos 50, 100 anos, liga o alerta para o governo.

Por isso que o príncipe Mohammad bin Salman, líder da PIF, o fundo de investimentos públicos da Arábia Saudita, quer fazer do país um polo turístico da região. Atualmente, nenhuma cidade do país figura entre os principais destinos turísticos do Oriente Médio. Há os destinos históricos, como Petra (Jordânia) ou Amadia (Iraque), e os centros cosmopolitas-tecnológicos, como Tel Aviv (Israel) e Dubai (Emirados Árabes Unidos); hoje, a Arábia Saudita está bem atrás dos seus concorrentes. Porém, com dinheiro praticamente ilimitado, os projetos de transformação do país estão no radar, entre as cidades verticais, como “The Line” e os planos de virar um hub tecnológico na região.

No meio disso tudo, a cena esportiva. Esportes tem o poder de impulsionar a economia em níveis muito interessantes. O “turismo esportivo”, segundo relatório de 2021 da Sports ETA, gerou mais de 90 bilhões de dólares no ano, somente nos EUA, além de mais de 600 mil empregos. A economia norte-americana, claro, é muito maior que a saudita, mas os números impressionam e fazem dessa uma aposta importante para o país. Nos últimos meses, realizaram eventos de golfe, WWE, automobilismo e tênis. O futebol agora é o sonho de consumo do governo, mas não deve parar por aí.

Protagonismo no esporte

Como esporte mais popular do mundo, o futebol é carro-chefe nesse projeto. O primeiro passo, é transformar a Saudi Pro League em uma liga reconhecida como uma das 10 principais ligas do mundo – em rankings especializados, a liga não figura sequer no top-20, atualmente – e projetam um faturamento de quase meio bilhão de dólares somente com ela em 2030.

O ano, aliás, é central nas pretensões do país: se por um lado os times sauditas estão mais fortes, grandes estrelas estão desembarcando por lá e competições como o Mundial de Clube estarão no país em breve, é em 2030, ano que a Copa do Mundo FIFA completará 100 anos de existência, que está a empreitada. O sonho dos governantes é sediar o maior evento esportivo do mundo e estar no centro do universo esportivo, para mostrar um pouco mais do país, sua cultura e convencer o mundo ocidental de que são eles, e não qualquer outro país da região, o polo mais importante e atrativo para se fazer negócios.

O potencial econômico da PIF é algo nunca antes visto nos esportes. Jogadores de futebol estão multiplicando seus vencimentos por 10, 20 e até 100 vezes. Somente nessa janela de transferências, foram 30 jogadores tirados de clubes europeus para jogar a Saudi Pro League, além de técnicos que vieram do Velho Continente. Em uma ordem de grandeza bem menor, segunda e terceira divisões do país também estão recrutando talentos por uma grana inimaginável.

E a possibilidade de vermos investimentos de ordem semelhante no basquete, por exemplo, é real. Um jogador da NBA que recebe 60 milhões de dólares/ano, o maior valor do atual contrato, poderia tranquilamente pleitear algo como 300 milhões em uma liga. Ter um Lebron James ou Stephen Curry como cara de um projeto ambicioso vale quanto?

Já houve sinalização de tentar comprar a Fórmula 1. Não uma etapa, a competição mesmo. Aparentemente, por ora, só uma especulação. Mas até quando?

Dúvida: isso é sustentável?

Desde o anúncio de que a Arábia Saudita entraria pesado nos esportes, muita gente importante do mercado esportivo franziu as sobrancelhas: isso é sustentável? O paralelo com o que aconteceu na China, anos atrás, é inevitável e nos faz pensar se é possível manter esse tipo de investimento. Não dá pra saber, de bate-pronto, mas há diferenças importantes.

A primeira delas: a liga chinesa de futebol cresceu muito através de investimentos privados. Na primeira crise importante, dezenas de donos bilionários perceberam que poderia não ser um grande negócio. No caso saudita, o dinheiro vem do governo. A PIF comprou 75% dos 4 principais clubes da liga e não mediu esforços para montar verdadeiros esquadrões já na primeira oportunidade. O governo pode eventualmente desistir de investir? Claro. Mas é pouco provável que isso aconteça no curto prazo, já que, como falamos anteriormente, existem planos maiores por trás dessa dinheirama toda.

Em segundo lugar, a China nunca deixou claro seus objetivos com os investimentos. A Arábia Saudita tem: quer sediar a Copa, quer tornar a liga nacional uma das 10 mais importantes. Não a mais, não a segunda mais: uma das 10 mais. Pra isso, é importante consolidar o campeonato como um destino interessante para grandes nomes. O perfil de investimento deve mudar ao longo do tempo, mas devemos ver sempre nomes importantes pipocando por lá. E, claro, o país continuará a ser um destino para competições, sejam elas torneios mundiais ou mesmo a Copa do Rei, que já teve suas últimas duas edições disputadas lá.

Por último e mais importante: a economia chinesa não depende em absolutamente nada do futebol. A China está disputando cada palmo em todas as esferas de mercado pelo posto de maior e mais importante polo de influência do mundo. Dia sim, dia não, brota uma startup unicórnio por lá. O país tem uma economia complexa, pujante e em crescimento. E tampouco o futebol é uma paixão nacional. A Arábia Saudita precisa que isso dê certo ao longo dos próximos anos, para mudar a imagem que se tem sobre o país e diversificar uma economia extremamente dependente de uma fonte única.

Destino até quando?

A primeira janela de transferências foi bem forte e qualquer um que acompanha a cena esportiva ouviu falar algo sobre a ambição saudita nesse processo. A história mostra que um time que vira bilionário do dia pra noite, costuma investir pesadamente por anos a fio, até estabelecer seu elenco, sua cultura. Nesse caso, são diversos clubes e em diversos esportes. Devemos, portanto, ter alguns bons anos ouvindo falar do campeonato saudita regularmente.

Um ponto de inflexão para essa questão será a definição da Copa do Mundo de 2030, que se dará, provavelmente, no próximo Outubro. Há um apelo gigante pela edição, justamente por marcar os 100 anos do primeiro torneio, e boas campanhas concorrem com os sauditas. Uruguai e Argentina, finalistas do certame em 1930, querem trazer a competição de volta ao continente sul-americano. Espanha-Portugal-Marrocos e, dizem, Ucrânia, querem sediar também a competição. O apelo seria retornar, numa só tacada, à Europa e África, que completarão 12 e 20 anos sem receber o torneio, respectivamente. Se tudo correr como esperado pelos sauditas, essa data deve ser chave para entender novas fases desses investimentos.

Até lá, monitoraremos os próximos passos do país. Algo que me diz que ainda falaremos muito sobre eles.