Capital americano e futebol europeu: o crescente interesse de investidores dos EUA

Da elite da Premier League à ascensão de clubes italianos e ingleses, investidores norte-americanos moldam o futuro do futebol europeu


Por Guilherme Calafate

5 de janeiro de 2025

Nos últimos anos, o futebol europeu tem vivenciado uma transformação significativa com a entrada de investidores estrangeiros, especialmente norte-americanos, que enxergam o esporte como um negócio lucrativo e com enorme potencial de crescimento. Seja na Premier League, na Serie A italiana ou nas divisões inferiores da Inglaterra, o capital dos Estados Unidos tem desempenhado um papel decisivo na reestruturação econômica e estratégica dos clubes do Velho Continente.

Por que a Europa atrai os americanos?

O apelo dos clubes europeus para investidores norte-americanos é impulsionado principalmente por dois fatores: preços mais acessíveis em comparação com franquias das ligas esportivas dos Estados Unidos (NFL, NBA, MLB) e potencial de valorizacão significativo a partir de novas receitas comerciais e de mídia.

Enquanto o Dallas Cowboys é avaliado em mais de US$ 10 bilhões, según Forbes, clubes europeus de elite como o Chelsea FC foram adquiridos por valores muito mais modestos (cerca de €2,9 bilhões em 2022). Além disso, a capacidade de aumentar o valor das equipes através de reformas estruturais, marketing global e exploração de novas audiências torna o mercado europeu extremamente atrativo.

Serie A: o novo “Eldorado” do futebol para os EUA

A Serie A italiana tem se consolidado como um dos destinos favoritos para investidores norte-americanos. Atualmente, nove dos 20 clubes da primeira divisão italiana estão sob controle de proprietários dos EUA ou do Canadá. Entre os principais motivos estão o baixo custo de aquisição dos clubes e o potencial de crescimento da liga em um mercado que ainda carece de infraestrutura moderna, como estádios de padrão internacional.

Clubes tradicionais como Milan, Inter, Roma e Fiorentina passaram recentemente para o controle de investidores norte-americanos, transformando a Serie A em um polo de interesse financeiro. Em alguns casos, como o da Oaktree Capital com a Inter de Milão, a participação americana se deu após a inadimplência de antigos proprietários. Para outros, como Rocco Commisso (Fiorentina) e Joey Saputo (Bologna), a liga italiana representa uma oportunidade de combinar paixão e negócios.

Porém, os avanços prometidos pelos investidores têm sido impactados por desafios políticos e burocráticos. Um exemplo é a dificuldade em modernizar estádios e melhorar a experiência do torcedor, o que pode frustrar investidores a longo prazo.

Premier League: o epicentro do capital americano

A Premier League inglesa é o maior expoente da presença americana no futebol europeu. Atualmente, 10 clubes da primeira divisão estão sob controle majoritário de investidores norte-americanos, incluindo gigantes como Manchester United, Liverpool, Arsenal e Chelsea.

O que diferencia a Premier League é o seu sucesso comercial global. Graças a contratos bilionários de transmissão e à popularidade da liga em mercados como Ásia e Estados Unidos, os clubes ingleses oferecem um retorno financeiro mais rápido. Além disso, os investidores americanos enxergam os times ingleses como marcas globais, com potencial para expandir suas receitas através de merchandising, parcerias comerciais e ativações em redes sociais.

As divisões inferiores: pequenos clubes, grandes oportunidades

Se o topo da pirâmide do futebol europeu já está dominado por investidores estrangeiros, o movimento agora se expande para as divisões inferiores, especialmente na Inglaterra. Clubes da League One e League Two (terceira e quarta divisões inglesas) têm sido cada vez mais adquiridos por norte-americanos, atraídos pelo baixo custo de entrada e pela possibilidade de valorização rápida.

Casos como o do Wrexham, adquirido pelos atores Ryan Reynolds e Rob McElhenney em 2020, exemplificam o sucesso dessa estratégia. Após investimentos modestos, o clube alcançou duas promoções consecutivas e agora ocupa uma posição de destaque na League One, com valorização substancial.

Outro exemplo é o Ipswich Town, comprado em 2021 por um grupo de investidores dos EUA por apenas US$ 37,6 milhões. A ascensão do clube até a Premier League em 2024 fez o seu valor disparar, com um aporte recente de US$ 131 milhões de um fundo americano de private equity.

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Riscos e desafios da “invasão” americana

Apesar das oportunidades, a entrada dos norte-americanos no futebol europeu também apresenta riscos. A pressão por resultados imediatos, combinada com a imprevisibilidade do desempenho esportivo, pode frustrar investidores acostumados com o modelo mais estável das franquias americanas.

Além disso, clubes históricos são considerados instituições locais por suas comunidades, o que exige sensibilidade por parte dos novos proprietários. Falhas na gestão ou decisões impopulares podem provocar reações apaixonadas dos torcedores, ameaçando a relação entre clube e investidores.

Adam Sommerfeld, da Certus Capital, destacou ao portal Football Benchmark que muitos investidores subestimam a dimensão cultural do futebol europeu. “Se os fãs estiverem insatisfeitos, eles irão até a sua porta para protestar”, alerta.

O futuro: experiência americana com sabor europeu?

À medida que o capital americano continua a fluir para o futebol europeu, uma tendência parece inevitável: a americanização da experiência do torcedor. Sommerfeld argumenta que os americanos trazem uma visão focada no entretenimento, inspirada em ligas como a NFL e a NBA.

“Quando você compara um jogo da NBA com um da League One, é claro que os americanos entregam um produto mais atraente. E, no fim das contas, o que os torcedores querem é entretenimento”, conclui.

Enquanto isso, a Europa segue como um terreno fértil para aqueles dispostos a assumir os riscos em busca de grandes recompensas. Seja na histórica Serie A, na lucrativa Premier League ou no romântico desafio das divisões inferiores inglesas, o capital americano veio para ficar.