O campeonato de F1 dispensa qualquer apresentação breve e gera interesse em todo o mundo há décadas, pelas velocidades astronômicas, a competitividade intensa e a emoção iminente a cada curva. Não à toa, a Fórmula 1 é uma das maiores competições do mundo com um contingente de fãs que supera os 400 milhões. A Premier League (Campeonato Inglês de futebol), para instrumento de comparação, tem 300 milhões. Neste artigo, trazemos algumas das características da principal categoria do automobilismo mundial e informações sobre seu funcionamento.
O motor do campeonato de F1: as equipes como negócio
A competitividade do campeonato de F1, não surpreendentemente, anda lado a lado com a quantidade de participantes. São 10 equipes em cada temporada, cada uma delas com dois carros e dois pilotos.
Veja quais são as equipes:
Equipe | Pilotos |
Ferrari | Carlos Sainz (Espanha) e Charles Leclerc (Mônaco) |
Red Bull Racing | Max Verstappen (Holanda) e Sergio Perez (México) |
Mercedes | Lewis Hamilton e George Russell (Grã-Bretanha) |
McLaren | Daniel Ricciardo (Austrália) e Lando Norris (Grã-Bretanha) |
Alpine (antiga Renault) | Fernando Alonso (Espanha) e Esteban Ocon (França) |
Aston Martin | Sebastian Vettel (Alemanha) e Lance Stroll (Canadá) |
Haas F1 Team | Mick Schumacher (Alemanha) e Kevin Magnussen (Dinamarca) |
Alfa Romeo | Valtteri Bottas (Finlândia) e Zhou Guanyu (China) |
Williams | Nicholas Latifii (Canadá) e Alexander Albon (Tailândia) |
Alpha Tauri | Pierre Gasly (França) e Yuki Tsunoda (Japão) |
Em entrevista ao podcast “Business Breakdowns”, em sua edição sobre Fórmula 1, Arman Gokgol-Kline, um dos principais investidores da modalidade, elencou as equipes e três categorias e discorreu sobre o modelo de negócio majoritário dessas escuderias.
Para Arman, as categorias são divididas pelo sucesso da escuderia e, proporcionalmente, pelo tanto que elas podem se comprometer a gastar com o campeonato.
No topo estão:
- Ferrari
- Red Bull
- Mercedes
Logo em seguida, aparecem:
- McLaren
- Alpine (antiga Renault)
- Aston Martin.
Mesmo ocupando posições hierárquicas diferentes dentro do campeonato, todas elas operam dentro de dois modelos: empresas OEM (original equipment manufacturer) e FMCG (fast moving consumer goods). Ambos os tipos de empresa não possuem retorno direto significativo com a premiação, mas todas elas beneficiam-se da publicidade indireta. Mercedes e Ferrari vendem a imagem de seus carros e da sua marca.
A Ferrari, por exemplo, promove eventos especiais aos donos de seus carros durante os eventos de Fórmula 1. A própria Mercedes já divulgou números especulados de que o retorno em ativos equivalentes de publicidade pela sua participação no campeonato passa de US$ 1 bilhão.
A Red Bull beneficia-se dos mesmos espólios publicitários, mas explora a associação à marca de modo “holístico” aos seus produtos. Associada a esportes radicais, a equipe intensifica sua proposta sendo uma das principais referências dentro do automobilismo de supervelocidade.
Mais a seguir voltaremos ao modelo de publicidade utilizado pela Red Bull e como Stefano Domenicali, CEO da Fórmula 1, acredita que esse possa ser o maior vetor do aumento de receitas da empresa.
Além das equipes dos dois primeiros níveis, há outras quatro escuderias competindo, como visto na tabela anterior. E o principal critério utilizado para essa classificação é o fato de as escuderias não serem associadas com nenhuma empresa com funcionamento externo ao campeonato.
Elas acabam sendo as escuderias com as maiores limitações financeiras. Tudo o que elas podem gastar no campeonato vem dos retornos diretos associados a ele. A defasagem orçamentária entre essas equipes diminui a competitividade no fim do espectro.
The Concorde Agreement.
O contrato de Concorde é o principal meio institucional de governança financeira do campeonato de F1. Seu principal escopo de atuação é organizar a divisão de receitas entre os stakeholders como as escuderias e as empresas parceiras.
Desde temporada passada (2021) para até o final da temporada de 2025, o tratado sofreu alterações com o objetivo de diminuir a assimetria financeira. Agora, as equipes vão receber informações em relação ao montante que vão receber da Fórmula 1 em antecedência à temporada, podendo assim, organizar seus gastos.
Essa mudança é importante, pois evita que escuderias independentes (sem empresas com operações paralelas) precisem gastar de modo receoso. Enquanto uma escuderia como a Mercedes pode vir a gastar mais do que preveja por poder trazer dinheiro de outras fontes de renda para cobrir o rombo, escuderias pequenas não têm esse privilégio.
Receitas corporativas
A Fórmula 1 tem, no seu modelo operacional, três principais fontes de rendas. São elas:
- Taxas de para sediar um evento (30%)
- Direitos de transmissão (30%)
- Propaganda e patrocínio (15%).
Taxas
A Fórmula 1 como empresa não realiza seus eventos de forma independente, mas vende o direito à realização do evento a instituições interessadas. Em entrevista ao podcast “Business Breakdowns”, Stefano Domenicali discorre sobre o tema e revela características sobre o sistema de concessão perante taxas.
Segundo o executivo, os interessados por adquirir e sediar eventos da Fórmula 1 vão da esfera pública à privada e empresarial. Geralmente o perfil do local em potencial dita quais são as características da negociação.
Alguns lugares com importância histórica para o campeonato e com o qual a empresa deseja vincular-se, como Mônaco, pagam uma taxa quase que desprezível. Geralmente, quanto mais longe dos grandes centros econômicos e da alta sociedade global, mais caros ficam as taxas para hospedar o evento.
Núcleos urbanos do oeste europeu pagam taxas perto de US$ 10 milhões, enquanto metrópoles do mundo em desenvolvimento cobram valores muito mais altos, em volta de US$ 30 milhões.
O motivo dessa disparidade é proporcionado pelo custo de oportunidade que a empresa tem em hospedar eventos longe do seu público consumidor ideal. Como já vimos por aqui, a Mercedes estipula ganhos na casa de US$ 1 bilhão em equivalentes de publicidade. Esse montante chega à empresa pelo aumento da venda de seus carros, mas o público consumidor não é genérico: são as classes mais altas das sociedades globais.
Além disso, automobilismo é um esporte caro mesmo para prática casual, o que faz com que os interessados, geralmente, sejam pessoas com mais poder financeiro.
Por conta disso, a Fórmula tende a cultivar um modelo de expansão ao público sem que perca seu apelo às classes mais ricas da sociedade. Um exemplo dessa dependência financeira do público de alto luxo é o fato de 15% do faturamento total da empresa vir da venda de ingressos e equivalentes VIP’s, como áreas especiais e benefícios únicos nos eventos,
Mesmo as taxas variando para hospedar uma corrida, a rentabilidade não costuma ser fixa nem proporcional aos custos primários. Quanto mais opções de receitas junto ao evento principal e mais apelativo o evento se tornar ao público, maiores são as receitas em potencial. Tanto exentos com as maiores taxas quanto com as menores já tiveram desempenhos igualmente bons e ruins.
Propaganda e patrocínio.
Essa fonte de receitas é retratada pela gestão do campeonato de F1 como sendo a mais inexplorada e com maior potencial de crescimento. A Fórmula 1, durante a gestão que durou até 2017, sofreu perdas significativas no engajamento do público, no número de telespectadores de suas corridas e nas receitas de publicidade e patrocínio.
Ex-CEO da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, em uma entrevista , deu um depoimento que é muito sintomático da decadência da modalidade no contexto do século XXI:
“Prefiro falar com um cara de 70 anos que tem muito dinheiro. Então, não adianta tentar alcançar essas crianças porque elas não vão comprar nenhum dos produtos aqui, e se os profissionais de marketing estão visando esse público, então talvez eles devam anunciar na Disney. Agora, você está me dizendo que eu preciso encontrar um canal para que esse garoto de 15 anos assista à Fórmula 1 porque alguém quer lançar uma nova marca na frente deles? Eles não vão se interessar nem um pouco. Os jovens verão a marca Rolex, mas eles vão comprar um? Eles não podem pagar. Ou nosso outro patrocinador, o UBS – esses garotos não se importam com bancos. Eles não têm dinheiro suficiente para colocar nos bancos“, disse Ecclestone.
Novos donos e nova gestão
Seguindo essa mentalidade, a Fórmula 1 entrou em decadência até ser comprada pelo grupo Liberty Media que, em 2017, implementou um novo modelo de gestão, principalmente na questão midiática.
Um dos principais objetivos da empresa foi aumentar o engajamento jovem na liga. Fomentar um interesse nos jovens é um jeito de garantir um interesse também da população mais velha, uma vez que os jovens de hoje em dia são os adultos do futuro.
Duas dessas ações tomadas recentemente para expandir o público foram fazer uma parceria com a Netflix para produzir uma série sobre os bastidores da competição e autorizar equipes e pilotos a expandir o conteúdo midiático exposto nas redes sociais. Os resultados dessas empreitadas não passaram em vão. Nos últimos anos, o engajamento do público jovem e as visualizações relacionadas com a Fórmula 1 dispararam.
Esse maior engajamento também teve repercussões no que diz respeito às receitas de publicidade da empresa e a quantidade de patrocinadores.
As receitas de propaganda das transmissões das corridas aumentaram, assim como a quantidade de marcas que decidiram reproduzir suas propagandas durante os eventos do campeonato de F1.
Uma das fronteiras, porém, que a equipe da Fórmula 1 enxerga para aumentar a quantidade arrecadada por patrocínios é estendê-los para uma publicidade além da exposição de produtos, mas de modo a ajudar crescimentos de marcas por meio dos vínculos criado entre valores da Fórmula 1 e a empresa patrocinadora.
Uma empresa de tecnologia, por exemplo, poderia trazer valor e apelo ao público ao vincular-se ao ambiente super tecnológico e de engenharia de alto nível da Fórmula 1. Dentre os patrocinadores da Fórmula 1, são poucos os que fazem isso. A maioria são empresas de produtos de luxo.
Efeito da Liberty Media
A Liberty Media chegou à Fórmula 1 em 2017 fazendo algo que nunca foi feito na época de Ecclestone: pesquisar dados. Os primeiros três meses da companhia foram gastos analisando o perfil dos fãs, o que proporcionou um maior entendimento sobre a distância entre os amantes da competição e o esporte.
A partir dessa análise,foi concluído que as redes sociais não eram usadas como deveriam. Percebeu-se um grupo de fãs muito interessante, de compradores casuais, e a mídia social passou a ser vista como uma oportunidade. Este perfil de consumidores não era visto como bom para Bernie Ecclestone e, por isso, eles estavam longe do esporte.
Desde então, a Fórmula 1 mudou completamente sua diretriz em respeito às redes sociais, conteúdos diários, estudos sobre o que os fãs querem e outros tipos de postagens que proporcionam o consumo diário do esporte.
O trabalho bem feito tem tido resultados significativos: entre 2019 e 2020, a Fórmula 1 foi a liga esportiva que mais cresceu nas mídias digitais, com incríveis 99% de crescimento. Outro grande feito foi o aumento de inscritos no youtube, de menos de 2 milhões em 2020 para 7 milhões no início de 2022. Além disso, mais de 50% desse público, segundo a Athletic Interest, tem menos de 35 anos. Ou seja, há um grande potencial de se cultivar esse público por décadas.
Contratos milionários
O campeonato de F1 tem aberto portas para o fechamento de grandes contratos entre seus participantes.
Para a temporada de 2022, a Red Bull Racing fechou maior contrato de criptomoedas do esporte, gerando cerca de R$ 750 milhões. Já a Mercedes, aumentou sua receita de patrocinadores, ganhando cerca de R$ 100 milhões entre 2019 e 2020.
Estes são apenas alguns exemplos entre o contínuo crescimento da marca e do seu alcance publicitário. Tudo na Fórmula 1 tem crescido. Os direitos de transmissão estão mais caros, os patrocinadores estão pagando mais, os ingressos para corridas aumentaram e assim por diante.
Por Rafael Caldas e Frederico Branco