O surfista Carlos Burle, antecessor da atual geração de surfistas brasileiros chamada “brazilian storm“, deu início a prática de surfe de ondas gigantes no país e ao sucesso da modalidade na atualidade. Burle é exemplo para milhares de novos surfistas que estão em busca dos seus sonhos. Hoje em dia, o surfista é técnico, possui seu próprio empreendimento e ministra palestras motivacionais ao redor do Brasil, alimentando o sonho de milhares de jovens brasileiros. Para relembrar a trajetória de Carlos Burle e saber um pouco mais sobre a sua história, o Sport Insider realizou uma entrevista exclusiva com o surfista brasileiro. Confira abaixo na íntegra:
– Poderia contar brevemente sobre sua história, onde nasceu, quando e onde cresceu?
Nasci em Recife, Pernambuco, em 1967 e cresci lá também, com muito amor e carinho. Meus pais moravam em uma granja onde meu pai criava galinhas, e meus parentes sempre tiveram engenhos, sítios e fazendas, então meu contato com a natureza começou desde pequeno.
– Com quantos anos você iniciou no surfe?
Não dormia direito até os dois anos de idade, então o pediatra da família orientou que começasse com aulas de natação no mar. Esse foi meu primeiro contato com o ambiente. Mas só comecei a surfar com 12 para 13 anos de idade, em 1980.
– Quais lembranças você guarda da década de 80?
As principais lembranças que eu guardo são as relacionadas com a natureza. A gente ia muito de carro para as praias desertas, então atolávamos muito. Tinha muito rally e acampamentos. Lembro de tomar banho de água de coco também. O cabelo ficava muito grudado por causa do açúcar do coco.
– Quais as maiores dificuldades você enfrentou na época que estava começando a se inserir no cenário do surfe?
A maior dificuldade que enfrentei foi o preconceito em relação a ser surfista. Além da falta de investimento, estrutura e de não ter referências.
– Qual foi seu maior incentivo? Os seus pais te apoiavam?
Quando comecei a surfar um dos meus maiores incentivos na época era estar perto da natureza. Uma das minhas opções era seguir a carreira de veterinário para estar perto desses elementos que gosto tanto. Após descobrir o surfe com 12 anos, disputei minha primeira competição depois de apenas 6 meses de prática, conquistando o 6º lugar do campeonato, ganhando o prêmio de revelação. Foi quando eu tive coragem de falar para o meu pai que eu queria ser surfista profissional. Inicialmente não tive suporte dele, já que o mesmo falava que eu ia terminar a vida empurrando carroça e catando lixo. Isso foi o outro grande incentivador para eu seguir a carreira de surfista. A dúvida da minha família e da sociedade em relação ao surfe na época me deu forças, pois quis provar que eles estavam errados e que não era certo rotular as pessoas. Todo mundo tinha o direito de tentar.
– Aos 17 anos, você ganhou seu primeiro patricínio, certo? Você já estava competindo nacionalmente? E mundialmente? Qual foi esse patrocínio?
Meu primeiro patrocínio foi a loja de surfe Bob Nick e eu também tinha o apoio das pranchas Real Magia, que na época se chamava Magia Surfboards. Aquilo para mim foi muito legal porque eu não ganhava dinheiro mas ganhava parafina, inscrições de campeonatos e roupas. Na época, eu somente competia no Brasil.
– Por que decidiu começar a surfar ondas giagntes e como foi a mudança de modalidade?
Sempre gostei de desafios na minha vida e logo vi que eu levava jeito para ondas grandes. Senti que a comunidade respeitava, eu me sentia mais poderoso e tinha um ego envolvido também. Me sentia mais forte para seguir atrás do meu sonho, então quanto mais eu pegava ondas maiores, mais eu me sentia preparado para seguir meus sonhos.
– Quais dificuldades você acha que os surfistas que estão começando hoje enfrentam, em comparação com aquela época?
Hoje em dia os surfistas que estão começando não enfrentam as mesmas dificuldades de antigamente. O universo agora é diferente do que era antes. Os desafios físicos e de performance são bem parecidos, mas as ondas estão maiores e a performance é mais radical. Eu me sinto um pioneiro, desbravador em relação aquela época. Ninguém vivia de surfe de ondas grandes. Hoje em dia um surfista já inicia sua trajetória com o foco de competir em ondas grandes. Em Todos os Santos, no meu primeiro campeonato mundial, Gabriel Medina tinha apenas 5 anos e nem surfava. O surfista brasileiro era conhecido como maroleiro, então eu tive que quebrar esse paradigma junto com a minha comunidade e mudar essa imagem do Brasil. Hoje em dia, nós somos referências com Lucas Chumbo e Pedro Calado.
– Como você compara o surfe dos anos 80 com o de hoje em dia? Quais são as diferenças e semelhanças?
As maiores semelhanças são os equipamentos e desafios que o esporte ainda apresenta. O esporte era marignalizado, criminalizado, um preconceito fortíssimo, diferentemente de hoje em dia. Hoje somos referência no cenário mundial em relação a questões de melhorias na saúde, qualidade de vida, profissionalismo e muito dinheiro envolvido. Já existem entidades que coordenam o surfe com uma estrutura muito diferente de quando eu comecei. Eu não tinha técnico, preparadores físicos, nutricionistas ou gerenciamento de atleta, por exemplo. Nos dias atuais o surfista cresce com muita pressão aprendendo a falar muito cedo com as mídias sociais e a lidar com o compromisso dos patrocinadores. Na minha época não. Sabe a história do homem com machado que vai entrando na floresta e abrindo caminho? Então, era mais ou menos assim. Foi muito bom e eu faria tudo de novo.
– O que você diria para os surfistas que estão começando hoje em dia? Há algo que você não fez que aconselharia a eles?
Eu aconselharia a fazer tudo de coração. Entender que a vida não é só aquilo que você quer, mas o mundo da forma que ele se apresenta para você. A vida é o que você precisa para evoluir, então se adapte, não sente na cadeira da vítima, não culpe patrocinadores, orgnizadores ou família. Vá atrás do seu desenvolvimento pessoal, acumule conhecimento de qualidade. Se você tiver como planejamento algo que seja importante para o universo, a vida vai abrir as portas para você. A maior corgem que você pode ter não é surfar ondas gigantes, ou ganhar um mundial de surfe, mas sim assumir a responsabilidade da vida.