Em 2011, a UEFA estabeleceu regras sobre a atuação dos clubes fora do campo de jogo, determinando, pela primeira vez, que os clubes tinham que cumprir certas regras de governança e parâmetros financeiros. Caso as regras não fossem cumpridas, os clubes estariam sujeitos a perder o direito de participar de competições internacionais. Os principais objetivos do chamado Fair Play Financeiro eram melhorar o desempenho econômico e financeiro dos clubes europeus e proteger a sua sustentabilidade a médio e longo prazo.
Desde então, o desempenho financeiro geral do futebol europeu melhorou significativamente, mas a pandemia de COVID-19 mudou completamente esse cenário. A pandemia global resultou na acumulação de grandes déficits de receita operacional, enquanto os custos com pessoal permaneceram nos níveis anteriores. Por consequência, as duas primeiras temporadas impactadas pela pandemia mostraram uma piora dramática do desempenho financeiro do futebol europeu, com prejuízo líquido agregado estimado acima de 6 bilhões de euros em duas temporadas.
Como resposta ao impacto negativo da pandemia nas contas dos clubes, a UEFA já adotou medidas temporárias de emergência, como considerar as temporadas de 2020 e 2021 como um único período, ao avaliar o desempenho fora do campo dos clubes. No entanto, a pandemia impulsionou a necessidade de uma reforma mais consistente do Fair Play Financeiro, exigida pela rápida evolução da indústria do futebol nos últimos dez anos. Em abril de 2022, a UEFA aprovou o novo regulamento de Licenciamento de Clubes e Sustentabilidade Financeira, que entrará em vigor na época 2022/23, por meio de um processo de implementação gradual de três anos.
Novo sistema de Fair Play Financeiro da UEFA
Além de algumas alterações no sistema geral de Licenciamento de Clubes, principalmente no que diz respeito às equipes juvenis, futebol feminino, responsabilidade social e a introdução de uma nova “regra do patrimônio líquido” (a posição do patrimônio líquido deve ser positiva ou melhorada em pelo menos 10% ano a ano), a mudança mais significativa é o estabelecimento de três pilares-chave nos requisitos de monitoramento dos clubes: solvência, estabilidade e controle de custo.
O regulamento anterior baseava-se em dois parâmetros fundamentais: a ausência de dívidas vencidas e a regra do ponto de equilíbrio. Ambos foram reforçados na nova regulamentação por meio dos pilares de solvência e estabilidade, respectivamente. O terceiro pilar, o requisito de controle de custos, representa a maior inovação na forma da relação custo do elenco – é uma resposta às principais tendências recentes na indústria do futebol: aumento dos salários dos jogadores, agentes e custos das transferências, potencialmente ameaçando a sustentabilidade dos clubes a longo prazo.
Em caso de descumprimento dos requisitos de monitoramento do clube, o novo regulamento prevê sanções diferenciadas para cada um dos três pilares. Em caso de descumprimento do requisito de solvência, com dívidas vencidas há mais de 90 dias, o clube poderá ser excluído de futuras competições. Já a violação do requisito de estabilidade pode levar a um acordo entre o Club Financial Control Body (CFCB) e o clube. Por fim, o descumprimento do limite de custo do elenco estará sujeito a uma medida disciplinar financeira proporcional à medida em que o índice de custo do elenco do clube exceder o limite definido e o número de infrações do clube ao longo da temporada atual e as três anteriores.
Em caso de descumprimento de um ou mais dos requisitos, o CFCB tomará a decisão final sobre a sanção a aplicar, levando em consideração também outros fatores, como tendência de descumprimento, presença de superávit de rendimentos de futebol, previsão de curto prazo e plano de negócios de longo prazo, situação da dívida, entre outros.
Análise dos principais clubes europeus
Para evidenciar como os clubes se adequariam ao novo sistema de Fair Play Financeiro, a plataforma de dados e análises Football Benchmark analisou o desempenho financeiro de alguns dos principais clubes europeus na última temporada completa antes da pandemia (2018/19) e na última temporada totalmente impactada pela crise da saúde (2020/21). Para realizar a análise, foram selecionados os 20 melhores clubes europeus por Enterprise Value (EV), de acordo com o último relatório da Football Benchmark. Os números são baseados em informações publicamente disponíveis e estimativas para alguns custos que não estavam disponíveis. Os gráficos abaixo mostram os resultados finais da análise:
Na última temporada antes da pandemia de COVID-19, apenas 12 dos 20 principais clubes cumpririam o limite de 70% da taxa de custo do elenco, sendo o Tottenham Hotspur (42%) e o Milan (108%) os melhores e os piores desempenhos, respetivamente. No entanto, considerando o limite de 90% anunciado para 2023/24, apenas o Milan estaria acima do limite, enquanto West Ham United, Chelsea e Leicester City também estariam acima do limite de 80%.
Como esperado, a situação geral dos 20 clubes piorou drasticamente na temporada 2020/21: a taxa média de custo do elenco cresceu para 86%. As principais razões por trás desse desempenho financeiro são as receitas quase totalmente perdidas, não compensadas por uma diminuição proporcional nos custos do elenco, e o mercado de transferências deprimido. Apenas dois clubes, Bayern München (63%) e Real Madrid (68%), cumpriram o limite de 70%. Considerando o limite menos rigoroso de 90%, sete clubes incluídos na amostra ainda não estariam em conformidade. Os piores desempenhos seriam do Barcelona (120%), Inter de Milão (104%) e Napoli (100%).
A reabertura dos estádios, já iniciada na temporada 2021/22, e o panorama globalmente positivo em relação à pandemia nos últimos meses irão ajudar os clubes a aumentarem as suas receitas e a melhorarem parcialmente os resultados acima. Considerando o período de transição gradual anunciado pela UEFA, os clubes terão tempo para se adaptar ao novo sistema de Fair Play Financeiro, focando tanto no numerador quanto no denominador da fórmula: aumento de receita e redução de custos.
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