SAFs do futebol brasileiro

Entenda a criação e o funcionamento das Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) que criaram força no cenário nacional


Por Insper Sports Business

9 de maio de 2024

SAFs do futebol brasileiro (Foto: Reprodução / Botafogo)

Sancionada em 2021, a Lei Nº 14.193, mais conhecida como a lei da SAF, institui a possibilidade de clubes profissionais de futebol se tornarem empresas de Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs), se tornando realidade em clubes como Botafogo, Atlético Mineiro, Vasco da Gama e Cruzeiro.

Essa nova organização permite os clubes a se organizarem de forma mais profissional e incentivar maiores investimentos do setor privado, buscando resultados positivos a serem refletidos nas quatro linhas. Entretanto, há dificuldades na implementação desse modelo administrativo, enfrentando resistência cultural e legislativa, além do fato de servir como instrumento para os clubes se livrarem de situações financeiras e futebolísticas delicadas.

O clube empresa

Embora o modelo de SAF tenha sido uma adição recente no modo de gestão de clubes brasileiros como empresas com fins lucrativos, a existência de clubes-empresa no país é mais antiga. Em 2009, o Cuiabá Esporte Clube foi comprado pela família Dresch, proprietária da empresa Drebor Borrachas, baseada em Cuiabá. Em 2019, foi a vez do tradicional clube do interior paulista Bragantino ser comprado pela empresa de bebidas energéticas Red Bull.

Ambos os clubes operavam como companhias limitadas (Ltda.), com o Bragantino sendo renomeado como Red Bull Bragantino (doravante RB Bragantino), à tradição de outros clubes mundo afora sob o mando da Red Bull, como o americano New York Red Bulls e o alemão Red Bull Leipzig. Os dois exemplos fomentaram fortemente uma discussão sobre a viabilidade de uma gestão aos moldes de uma companhia com fins lucrativos para clubes brasileiros, dados os bons resultados alçados por ambos os clubes.

O mato-grossense Cuiabá, fundado em 2001 e em um estado historicamente pouco representativo nas grandes competições nacionais, se ausenta das competições em 2007 pela inviabilidade financeira de sua operação como clube profissional. Já em 2008, o time é adquirido pelo grupo Dresch, conquista o acesso à Série A anos depois, em 2020, e se torna, então, o primeiro clube mato-grossense a fazê-lo desde o Operário de Várzea Grande, em 1987. Originalmente uma companhia limitada (Ltda.), o clube adota hoje o modelo SAF.

Muitos clubes grandes no Brasil sofreram durante anos com má gestão financeira que se tornou prejudicial ao seu futebol (GRAFIETTI, 2023), de onde surgem fortes demandas à adequação aos modelos empresariais, que, segundo seus propositores, permitiria tanto uma gestão mais eficiente dos recursos do clube, quanto um ambiente favorável à entrada de investidores. Em 2019, a empresa de auditoria Ernst & Young publicou um estudo propondo um modelo de gestão para o clube Botafogo de Esporte e Regatas em moldes similares ao que viria a se tornar o modelo SAF (CAPELO, 2019).

Embora a legislação brasileira tenha passado a permitir a existência de clubes-empresa nas modalidades S/A e Ltda., o modelo SAF é em muito inovador e distinto, com características que vêm saltado mais aos olhos de investidores e gestores de futebol. A Coccetrone (2022), o advogado especialista em legislação para futebol Rafael Marcondes explica a diferença: ”uma SAF será um clube-empresa, mas a recíproca não é verdadeira. Um clube-empresa pode ser constituído por meio de outro modelo empresarial, como uma limitada (LTDA) por exemplo. De forma simples, podemos dizer que clube-empresa é gênero, do qual a SAF é espécie”.

Como funcionam as SAFs

Desde que a Lei das SAFs foi aprovada, cerca de 30 equipes do futebol brasileiro aderiram a esse novo modelo de gestão empresarial. Algumas com menor influência nacional como Maricá-RJ e Monte Azul-SP, e outras com uma grande presença do futebol nacional, como Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Atlético-MG, Bahia, Cuiabá, Coritiba e América-MG.

Cada equipe apresenta um contrato de compra único, levando em consideração fatores relevantes para o patrimônio do clube, como estádio, centro de treinamento, dívidas e tamanho da torcida, bem como outros que podem influenciar os resultados das equipes nos campeonatos disputados. Majoritariamente, são grupos de investidores que realizam a compra e são os responsáveis pela administração do clube, sendo por exemplo o Grupo City no Bahia, 777 Partners com o Vasco e os “4 R’s” com o Atlético-MG. Já equipes como Botafogo e Cuiabá apresentam um único dono ou famílias, com respectivamente John Textor e Família Dresch.

Normalmente, os novos donos injetam quantias milionárias para comprar o clube, quantias essas que são diretamente utilizadas para pagar dívidas e investir em novas peças para o time. Por se tratar de investimentos, os novos donos apresentam a vontade de haver retornos financeiros positivos e não se limitar aos resultados futebolísticos. Nesse sentido, a tendência é que haja uma maior profissionalização nos processos apresentados, incluindo indivíduos preparados e verdadeiros profissionais na gestão administrativas.

No entanto, surgem ainda algumas problemáticas inéditas. Uma grande preocupação que se tem ao pensar sobre um modelo empresarial para gestão de um clube de futebol é que o clube associativo, não-empresa e sem fins lucrativos, não decreta falência, ao contrário de uma empresa. Sendo regido como uma SAF, existe a possibilidade de uma má gestão levar o clube à extinção por falência, em especial quando a transição para o modelo de sociedade anônima é integral.

Ainda há quem argumente que tornar os clubes de futebol em entidades com fins lucrativos e com um dono fará com que os interesses dos maiores sócios sejam sobrevalorizados em relação ao futebol. Muitos representantes dos grandes clubes do Brasil também se mostraram reticentes quanto à redação da lei das SAFs, como no que tange às novas regras tributárias que devem ser seguidas por aqueles clubes que se tornarão formalmente empresas (SIQUEIRA, 2019).

As diferenças das SAFs no aspecto financeiro

Com a adesão por parte dos clubes a este modelo, existem mudanças significativas na forma como estes clubes gerenciam suas finanças. A transformação de clubes em Sociedades Anônimas do Futebol permite uma maior transparência e rigor na gestão financeira, pois estas organizações estão sujeitas a regulamentações mais estritas de governança corporativa e devem apresentar relatórios financeiros detalhados.

Isso contrasta com o modelo anterior de associações sem fins lucrativos, que muitas vezes eram criticadas pela falta de transparência e gestão menos profissionalizada. Além disso, a captação de investimentos torna-se mais acessível, já que os clubes podem emitir ações e obter recursos através do mercado de capitais, oferecendo uma nova via de financiamento além das receitas tradicionais, como bilheteria, direitos de transmissão e patrocínios.

Os desafios para a implementação das SAFs

Dentre os desafios que podem surgir com a implementação deste modelo de gestão de futebol, é possível destacar a garantia de uma governança com transparência, para que seja possível conquistar a confiança tanto dos torcedores como dos próprios investidores, e além disso é possível destacar também a gestão de dívidas do clube e a questão da resistência cultural principalmente por parte dos torcedores, já que através desta transição do modelo tradicional do clube para um modelo empresarial pode colocar em risco a questão da identidade original do clube.

Por Gabriel Avila, Leonardo Scarlato e Vitor Bernardinni