Um marco da infância é o momento em que aprendemos a andar de bicicleta. Comemoramos quando nos livramos das rodinhas e, sem nem pensar direito, estamos usando nossa bike para todos os cantos. É saudável, é mais barato que outros meios de transporte, bom pro meio ambiente e, pra ser sincero, muitas vezes nem encaramos como exercício e sim lazer, pura e simplesmente. Do ponto de vista da prática, o ciclismo deve estar entre os esportes com a maior quantidade de praticantes amadores, logo atrás da corrida. Afinal de contas, exige pouca estrutura em comparação a outros esportes e pode ser praticado de forma individual. Tudo que você precisa é ter acesso a uma bicicleta e, claro, aprender a pedalar.
A cena profissional do ciclismo não tem tanta entrada com os fãs de esportes como se poderia supor, dado o alto volume de praticantes. É necessária uma grande história ou personalidade para furar a bolha e impactar o público geral, tal qual aconteceu no atletismo, com Usain Bolt, ou na natação, com Michael Phelps. E, bem, talvez os mais jovens não lembrem, mas já aconteceu com o ciclismo – e especificamente com o Tour de France.
No fim dos anos 90, o mundo dos esportes se encantou com a história do americano Lance Armstrong. Ciclista conhecido no circuito, ele vencera um câncer e virou uma celebridade, contando sobre a superação da sua doença, a volta por cima nos esportes e a pulseirinha amarela que todo adolescente do início dos anos 2000 usou. Lance foi um superastro de um esporte pouco popular. E seu fenômeno se fez conhecido por 3 motivos: a superação, já comentada, os escândalos de doping no qual se envolveu – e que eventualmente o jogaram no ostracismo – e o palco. Sim, Lance virou uma celebridade também por causa do Tour de France, a prova de ciclismo mais famosa do mundo.
A prova eliminou todo e qualquer rastro do ex-ciclista de seus arquivos. E mostrou que, não, não depende de nenhuma cara famosa pra colher os frutos de um trabalho árduo e muito bem feito de seus organizadores.
Números esportivos
Celebrando os 120 anos de sua primeira edição, o Tour de France foi interrompido por 11 anos, por conta das 1ª e 2ª Guerras Mundiais. Nas mais de 100 edições realizadas, a prova foi vencida 36 por ciclistas franceses, 18 vezes por ciclistas belgas e 12 vezes por ciclistas espanhóis, os países com mais conquistas. Além deles, outros 12 países conquistaram a competição, sendo os EUA, a Austrália e a Colômbia os únicos não-europeus a fazê-lo.
Entre os maiores vencedores, estão os franceses Bernard Hinault e Jacques Anquetil, o belga Eddy Merckx e o espanhol Miguel Indurain, com 5 conquistas cada. Na atual edição, os favoritos são o atual campeão, dinamarquês Jonas Vingegaard, e o bicampeão das edições anteriores, o esloveno Tadej Pogačar.
O trajeto de 21 etapas e 3.405km dura 23 dias, iniciando em Bilbao, no País Basco, e finalizando na famosa Champs-Elysees, em Paris. A etapa mais longa é a 2ª, que vai até San Sebastian, com 209km; a mais curta, 16ª tem 22,4km, em Combloux. Durante os 23 dias de competição, apenas 2 são dedicados a descanso e reposição de energia.
Por fim, são distribuídas algumas premiações, sendo a “camisa amarela” a mais famosa delas – entregue ao vencedor individual da competição. Há ainda a “camisa verde”, que premia o ciclista com maior pontuação, a “camisa de bolinhas vermelhas”, que premia o atleta de maior sucesso nas etapas de subida (montanhas ou subida ao cume) e, por último, a “camisa branca”, concedida ao ciclista jovem mais bem classificado (apenas atletas de até 25 anos se qualificam para o prêmio).
Finanças no Tour de France
Não existe um relatório aberto que confirme todos os dados, mas os sites e analistas especializados no assunto dizem que as receitas do Tour giram entre 60 e 150 milhões de dólares anuais. E elas são compostas por 3 grupos: direitos de transmissão, patrocinadores e taxas das cidades que recebem a prova.
Direitos de transmissão
Fatia mais gorda da torta, os direitos de transmissão são responsáveis por 55% a 60% da competição. Segundo o media kit do Tour, a volta será transmitida para 190 países, através de 100 canais, dos quais 60 com cobertura ao vivo. O contrato mais parrudo é da France Télévisions, estimado em 20 milhões de euros anuais. Os números, bem guardados pela ASO, detentora dos direitos da competição, são amplamente debatidos por pesquisadores franceses e estima-se que 50% da receita da empresa seja oriunda do Tour.
Patrocinadores-Comercial
Outro pedaço generoso da receita da prova vem de patrocinadores e ações comerciais. Estima-se que entre 30% e 40% estejam aqui – e a conta é um pouquinho complexa.
As receitas com patrocínio e comercial se dividem em pelo menos 3 grandes grupos:
- A “Caravana Publicitária”, um evento próprio da competição, que contempla mais de 30 marcas, carros de segurança, ambulâncias e controladores da prova. Segundo matéria da Hustle, a Caravana transporta mais de 15 milhões de itens, entre suplementos, isotônicos, toalhas, entre outros, e cada marca paga entre 250 mil e 600 mil euros pra participar da festa – estamos falando de um montante que pode variar de 8 a 20 milhões de euros.
- As “Camisas Especiais”. Citadas na parte esportiva, elas são a representação dos vencedores – e marcas pagam para ter exclusividade nelas. Pagam muito bem, diga-se de passagem. Só a camisa amarela vale mais de 12 milhões de euros.
- “Parcerias de ativação” da prova. A marca suíça de relógios Tissot, por exemplo, estampa os cronômetros oficiais da competição.
Há ainda os produtos oficiais da marca, que atraem atenção dos curiosos e fãs mais hardcore. Acessando o site oficial, é bem fácil de encontrar alguns exemplos.
Taxa de hospedagem das cidades
A menor das fatias é também a mais curiosa delas. Valendo de 5% a 10%, a prova ainda arrecada através de uma “taxa de hospedagem das cidades”. Lembra que falamos que são 21 etapas? Então, cada etapa ocorre em uma ou mais cidades. Essas cidades, pagam um certo valor ao Tour de France para abrigar o trecho. Segundo o ótimo podcast “The Joe Pomp Show”, em seu episódio 174, os primeiros dias custam em torno de 6 milhões de euros – e geralmente são sediados em outros países, que disputam ferrenhamente essa oportunidade. Os demais dias custam de 60 mil a 120 mil euros para cada cidade.
E qual é a lógica? Bom, é bem simples: eu invisto x na esperança de colher 2x, 5x ou mesmo 10x em turismo, hotelaria, comércio geral, restaurantes. Estima-se que o impacto econômico seja de 3 a 6 vezes o investido para essas cidades de menor investimento. Apenas para exemplificar: a Fórmula 1 recebe de Jeddah, na Arábia Saudita, 55 milhões de euros para que a cidade possa ter uma das provas do campeonato da categoria. E a Arábia Saudita recebe 5 vezes mais, seja com turismo, venda de ingressos, gastos gerais com a cidade, além de ser o centro do mundo automobilístico por um período.
O que vem pela frente
Já estabelecida como uma marca forte no mercado esportivo mundial, ainda que seja um torneio de nicho, o Tour de France tem planos grandes para os próximos anos. Os números de site, redes sociais e clube de associados é bem expressivo, como mostra o media kit:
O caminho no digital está bem pavimentado. Há uma audiência grande, que deve crescer bastante após o anúncio da “docu-series” lançada mês passado na Netflix: “Tour de France: no coração do pelotão”.
A série traz cenas de bastidores da prova em 8 episódios, estilo “Drive to survive”, que retrata os bastidores da Fórmula 1 e virou case de sucesso em branded content no universo esportivo. Não sabemos o acordo entre a gigante de streaming e a ASO, mas dentro de alguns meses teremos uma pista do quanto a produção colaborou para o crescimento do interesse na competição.
Os números finais não são totalmente conhecidos, mas não muda o fato de que a prova quebrou recordes de audiência, sendo líder do segmento esportivo em países como Dinamarca e Eslovênia, terra dos principais competidores da prova, e alcançou mais de 37 milhões de fãs somente na Europa e mais de 400 milhões de horas assistidas na soma das principais emissoras do continente.
Se interessou pelo evento? Então aproveita que ele tá rolando e você pode acompanhar tudo pela ESPN e Star+ aqui no Brasil.
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