O que a troca de James Harden ensina sobre o mercado da NBA?

Ida do “Barba” para Los Angeles chacoalha presente e futuro das franquias envolvidas - e também da própria NBA


Por Daniel Endebo

1 de novembro de 2023

O que a troca de James Harden ensina sobre o mercado da NBA? (Foto: Reprodução/NBA)

Enfim, aconteceu: James Harden finalmente foi trocado para o Los Angeles Clippers, na madrugada do último dia 31 de outubro, conforme informou o jornalista Adrian Wojnarowski, da ESPN. É a terceira troca forçada de time do MVP de 2018 nos últimos 5 anos. Depois de anos em Houston, Harden teve passagens curtas (e sem grande sucesso) por Brooklyn e Philadelphia, antes de chegar em Los Angeles, onde se reunirá com o ex-companheiro Russell Westbrook, além dos all stars Paul George e Kawhi Leonard, para tentar levar a franquia ao sonhado e inédito título.

Como será o encaixe do ala armador no time é uma dúvida que o técnico Tyronn Lue terá que responder ao longo da temporada. Aqui, discutiremos um pouco sobre as implicações dessa movimentação e o que isso representa para os negócios. Sob a ótica das franquias envolvidas, dos atletas e também da liga.

Clippers: “star power”

Considerada uma das franquias mais azaradas da liga, o Los Angeles Clippers é o “patinho feio” da cidade californiana. Lá, tudo é – e sempre foi – sobre o Los Angeles Lakers.

Desde os anos 2010, no entanto, a franquia se estabeleceu como um destino atrativo para agentes livres e, apesar de nunca ter conquistado o título da liga, tem sido figura constante nos playoffs. De estrelas desenvolvidas por lá via draft (como Blake Griffin) e trocas pesadas (como Chris Paul, Paul George e Kawhi Leonard), o time se viu numa posição de destaque que nunca teve – especialmente após a venda da franquia para Steve Ballmer, bilionário da cena hi-tech, que a comprou de Donald Sterling, envolvido em uma série de escândalos, racismo e a fama de “pior dono de franquia de esportes americanos”, reportados brilhantemente na série especial de podcasts 30for30, de Ramona Shelburne.

A presença de Ballmer mudou os ânimos – e os rumos – da franquia. Eloquente, carismático e sempre presente, o bilionário prometeu uma nova era para o time e os seus fãs. Contratou equipes de ponta para a parte técnica e médica, montou um front office de alto calibre, se cercou dos conselhos de Jerry West – um dos maiores gênios do esporte e também conhecido por ser “O LOGO” da NBA – e foi atrás de estrelas.

A mega troca que levou Paul George de Oklahoma para lá foi o indicativo de que Ballmer não estava entrando na brincadeira apenas para fazer figuração. Embora hoje pareça uma troca fracassada, dada todo o capital cedido pelo time – incluindo o jovem all star Shai Gilgeous-Alexander -, ela foi essencial para convencer o então agente livre Kawhi Leonard a assinar com a franquia.

A razão por trás dessa agressividade no mercado não era apenas “síndrome de novo dono”; Ballmer é, antes de tudo, um homem de negócios, que sabe muito bem onde pode aumentar seu patrimônio: em uma nova casa. Além da grana que um negócio desses pode lhe render, há o argumento “sair da sombra do Lakers”, com quem divide o ginásio até hoje.

A nova arena, prevista para inaugurar na próxima temporada (2024-2025) é um projeto enorme, ambicioso e que custará 1,2 bilhão de dólares. Ela terá:

  • um telão oval de 4 mil metros quadrados, circundando o ginásio;
  • solução tecnológica para compras, filas e relacionamento com fãs;
  • um parque externo, do tamanho de uma quadra de basquete, com telão para assistirem os jogos;
  • espaço especialmente dedicado para shows;
  • hotel com 150 quartos
  • mais de 4 mil vagas de estacionamento

Tudo isso contribui para aumento de valor da franquia, possibilidade de novas receitas e criação de comunidade em torno de um time que precisa reforçar sua identidade.    

Por tudo isso, o time precisa ser atrativo. E a história da NBA prova que nada atrai mais o público do que estrelas. Essa é uma das principais motivações de ter Harden no elenco. Com toda e qualquer crítica que se possa fazer ao atleta e seu desempenho recente, James Harden é um ícone da NBA nos últimos 10, 15 anos, sua imagem é facilmente identificável e ele raramente se lesiona – um problema enfrentado pelo time com a dupla Kawhi-PG nos últimos anos. Um elenco com 4 prováveis Hall da Fama (Harden, George, Kawhi e Westbrook) tem “star power” suficiente para manter a franquia sob holofotes nesses próximos meses.

A peça do dominó foi derrubada

Bom, se Harden foi trocado, pelo que/quem ele foi trocado? Como num efeito dominó, um movimento implica em outros. E a NBA dispõe de mecanismos para que essas peças estejam conectadas.

Como a liga utiliza um teto salarial, cada franquia tem um limite do quanto pode gastar. E dentro do teto salarial, existem porcentagens máximas que podem ser pagas a um determinado jogador. Se um atleta ganha 20 milhões por ano, por exemplo, ou bem uma franquia terá 20 milhões em ESPAÇO no seu teto salarial para absorver o atleta – e, assim, adicionar o montante ao seu próprio teto – ou bem a franquia terá que encontrar formas de trocar salários para acomodar tais valores, seja numa troca direta, seja numa troca envolvendo 2 ou mais times.

Voltando ao caso Harden: o MVP da temporada 2018 pediu troca na última offseason por se sentir, nas palavras dele, traído pelo Gerente Geral do 76ers, Daryl Morey – a quem ele chamou abertamente de mentiroso. A rusga com o dirigente vem de uma história nunca confirmada, onde o atleta aceitaria seu último ano de contrato na Philadelphia – o que chamamos de “Player Option” -, com a promessa de que seria trocado dias depois para o destino de seu desejo – no caso, Los Angeles. Morey não trocou Harden de imediato, explorando possibilidades de trocas que seriam mais vantajosas para o time da Pensilvânia, o que deixou James Harden furioso.

Logo antes do início da temporada, o atleta fez questão de deixar o clima péssimo, faltando a treinos, mandando indiretas pela imprensa. Ficou claro que não havia volta. Morey procurou então o Clippers e foi armada a troca:

No pacote, o 76ers recebeu os jogadores Nicolas Batum, Marcus Morris, Robert Covington e Kenyon Martin Jr. A soma desses 4 salários (imagem mais abaixo) bate em cerca de 42,5 milhões de dólares.

O time de Los Angeles, por outro lado, recebeu, além de Harden, o ala pivô PJ Tucker e o pivô sérvio Filip Petrusev, salários que somam próximo de 47,5 milhões de dólares.

Essa diferença não muda exatamente a estrutura financeira dos times, que já estavam acima do teto salarial (US$ 136 mi) antes do início da temporada e se manterão dentro do limite estabelecido na liga sob pagamento de multa – qualquer valor que exceda o teto pode, dentro de certas regras, chegar até US$ 182 mi, com o time pagando multa a cada dólar excedido ao teto.

Nesse caso, como os dois times já operam acima do teto salarial mas dentro do limite máximo, os 5 mi de dólares da diferença entre os contratos não significará muita coisa.

O que significa – e muito – é que o desejo de uma estrela como James Harden foi atendido e, por isso, a vida de outros 6 jogadores (fora seus familiares) foi alterada do dia pra noite. Ossos do ofício, como costumam dizer os jogadores.

O lado do Sixers

Bom, se o Clippers recebeu a peça mais valiosa do negócio, quer dizer que o Sixers “perdeu” a troca? Sim e não.

Desde que começou “O Processo”, em meados da década passada, o Philadelphia 76ers tem sido uma grande história. Todos os anos. Seja por conta do recorde de derrotas, por más escolhas no draft, por mudanças de técnico, fracassos nos playoffs ou por ser o lar do atual MVP da liga, Joel Embiid, o público da Philadelphia não morre de tédio.

A própria chegada de Harden ao time, dois anos atrás, se deu através da troca por Ben Simmons, 1ª escolha do Draft de 2016 que simplesmente não conseguia mais ficar em quadra por alegadas questões psicológicas. Essa troca era considerada impossível por parte do público, dado que Simmons não entrava mais em quadra, mas Morey deu seu jeito de fazer funcionar.

O pedido recente de saída de Harden foi mais um golpe em qualquer traço de planejamento que a franquia traçou nos últimos anos. E, para os torcedores dos Sixers, a pergunta mais importante era: o que isso significa para Joel Embiid?

Embiid é o único remanescente do “Processo” – ele próprio já se autointitulou assim -, é um dos jogadores mais dominantes do mundo, amado na cidade e tem pressa por vitórias. É provavelmente o atleta preferido dos torcedores desde Allen Iverson e a maior chance de conquista de um título que não vem desde os anos 80. Por isso, é essencial que a franquia assegure ao pivô camaronês um cenário de competitividade esportiva que o faça QUERER estar lá por mais tempo. Afinal, como temos visto nos últimos anos, jogadores pedem trocas quando sentem que há melhores situações para eles.

Pensando esportivamente, a troca tem benefícios óbvios para o Sixers: além de vários jogadores, a franquia ganhou “múltiplas escolhas de draft”, um ativo valiosíssimo na NBA atual. As escolhas podem servir para a própria franquia no futuro escolher jogadores que queira no seu elenco ou, ainda, serem empacotadas em novas trocas – cenário que deverá ser bastante explorado pela direção do 76ers.

Essa tese ganha força quando analisamos mais a fundo o contrato dos jogadores que vieram na troca, como mostra imagem do HoopsHype abaixo:

Observando os nomes grifados, vemos que os 4 atletas trocados possuem contrato expirante, isto é: ao fim dessa temporada, virarão agentes livres. Isso significa que, caso decida não renovar o contrato de nenhum deles, o Sixers pode liberar 42 milhões de dólares do seu teto salarial, abrindo caminho para a aquisição de outra estrela.

Porém, se o time entender internamente que esperar um ano inteiro desagradaria Joel Embiid e suas chances de título, esses mesmos contratos poderiam ser utilizados como moeda de troca para a aquisição de outros jogadores que possam contribuir imediatamente.

Morey é conhecido na NBA por montar times a partir de estrelas e de ser uma das mentes mais criativas na elaboração de ofertas para encontrar jogadores. Assim sendo, é de se esperar que o Sixers agite o mercado ao longo da temporada. E o bom começo de temporada sob comando do técnico Nick Nurse, campeão pelo Toronto Raptors em 2019, com ótimo desenvolvimento do jovem Tyrese Maxey, devem dar ao gerente geral mais tempo para encontrar as melhores opções no mercado.

Os próximos passos

A troca deverá reverberar ainda por muitos meses e levanta diversas questões:

  • Harden tem contrato expirante. O Clippers irá renovar? Por quanto tempo e valores?
  • O Sixers será ativo no mercado desde já? Ou vai esperar a agência livre para buscar uma nova estrela sem contrato?
  • Como essas mudanças se traduzem em perspectiva de títulos? As odds indicam melhores chances para o Clippers do que tinham semana passada, mas nada que altere o ponteiro real sobre quem são os favoritos;
  • Qual time desesperado entrará na fila do dominó, uma vez que sabemos que há muita gente e bons contratos para serem negociados?

Descobriremos ao longo dos próximos meses.