Há duas décadas, Porto Príncipe tornou-se um local inesperado para uma partida de futebol entre Brasil e Haiti. O Brasil, já pentacampeão do mundo, estava no topo do ranking da FIFA, enquanto o Haiti estava em 95º, caindo dez posições em um espaço de quatro meses.
Os campeões mundiais de Carlos Alberto Parreira, em qualquer outra circunstância, teriam evitado viajar para a conturbada nação insular. Mas, em 2004, quando o Haiti foi mergulhado numa crise humanitária após um golpe de Estado, jogadores como Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos e outros abandonaram os méritos futebolísticos e jogaram pela paz.
“O Jogo da Paz”
Batizado de “Jogo da Paz”, a partida foi disputada no Stade Sylvio Cator, erguido em homenagem ao medalhista olímpico Sylvio Cator, na capital do país. Cerca de 15 mil espectadores, incluindo o presidente do Brasil na época, compareceram para assistir ao jogo no estádio nacional, que mal acomodava 13 mil pessoas.
Antes disso, as duas seleções haviam se enfrentado apenas duas vezes, a primeira durante os Jogos Pan-Americanos de 1959, e um amistoso internacional, que fez parte da preparação do Haiti para sua estreia na Copa do Mundo, na Alemanha Ocidental.
Quando se encontraram novamente, 30 anos depois, embora em um cenário totalmente diferente, o Brasil conseguiu uma vitória com Ronaldinho marcando um hat-trick.
Admiração haitiana
Poucos haitianos tinham tido a oportunidade de ver jogadores internacionais pessoalmente, muito menos alguns dos maiores como Ronaldo e Ronaldinho. Para a população comum, aquela partida em Porto Príncipe, foi o maior feito esportivo do país, talvez até eclipsando a estreia do país na Copa do Mundo contra a Itália.
Para o resto do mundo, foi muito mais do que um simples jogo de futebol. Havia muita coisa envolvida e, o mais importante, o objetivo era dar alegria aos haitianos, que enfrentavam uma das piores fases da sua história.
Para a partida, a Seleção Brasileira chegou após acampar na vizinha República Dominicana horas antes do início da partida, e deixou o local logo após o apito final, mesmo com forte presença brasileira na segurança.
Crise política
A MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti), liderada pelo Brasil, foi formada para ajudar a estabilizar o Haiti, a segunda república mais antiga do Hemisfério Ocidental, depois dos Estados Unidos. Mas, a nação insular no Mar do Caribe, desde que obteve a independência da França em 1804, com o ex-escravo Jean-Jacques Dessalines a liderar a revolução, continua a ser um país em conflito: a instabilidade política e os seus efeitos colaterais, tornando o país um dos mais pobres do mundo.
O governo brasileiro concordou em enviar 1.200 soldados, mas o primeiro-ministro interino do Haiti, Gerard Latortue, observou que “alguns jogadores de futebol brasileiros poderiam fazer mais para desarmar as milícias do que milhares de soldados de manutenção da paz”.
Ronaldo, que se tornou Embaixador da Boa Vontade do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2000, disse que estava ansioso para jogar e se orgulhou do Brasil ter a oportunidade de contribuir para pôr fim a anos de luta do país.
E isso se tornou a base para organizar um amistoso entre os dois países com culturas semelhantes e amor compartilhado pelo futebol. Após acordos, uma Seleção repleta de estrelas chegou ao Haiti para amenizar a dor dos haitianos, mesmo que durante a partida.
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