Quando Fabrizio Romano postou “Here We Go” com a foto de Neymar trajando o azul do Al Hilal, o mundo do futebol brasileiro se dividiu: o craque brasileiro, com apenas 31 anos, está de saída do PSG – e momentaneamente fora da disputa pelos principais títulos do futebol mundial – para jogar na recém turbinada liga saudita. O contrato, que gira na casa de 160 milhões de euros ao longo de 2 anos, marcou não apenas uma nova fase na carreira do craque: ela teve (e ainda terá) consequências que devemos observar de perto. Aqui, traremos uma lista de “vencedores” e “perdedores” dessas consequências, tentando abranger algumas visões e narrativas que se desdobrarão desse anúncio.
Vencedores
Neymar, o businessman
Bom, nada mais justo que começar a análise pelo seu protagonista: Neymar, pai e filho, venceram na transação. Ao menos sob a ótica financeira. Alguém pode dizer “Neymar não precisa de mais dinheiro”, o que é provavelmente verdade. Mas a proposta feita pelo Al Hilal não é uma proposta qualquer. É muito dinheiro até mesmo para quem ganha dezenas de milhões de salário há basicamente uma década.
O contrato, ao que tudo indica, não será extenso. Isso permitirá um rápido reposicionamento no mercado, caso seja interesse do atleta. Se ele gostar da vida por lá, os 160 podem tranquilamente virar 200, 300 milhões. O craque não deverá ter problemas para ter impacto esportivo na liga e ainda pode ser a cara do projeto saudita em receber a Copa do Mundo de 2030. Ou seja: se tudo der errado, ele embolsa 160 milhões de euros. Se der certo, o céu é o limite.
Cristiano Ronaldo, o pioneiro
Não demorou nem 12 horas para ter jornalista brasileiro responsabilizando Cristiano Ronaldo pelo sucesso de atração de talentos para o campeonato saudita. O português, de fato, foi um pioneiro desse movimento de grandes jogadores para lá. A sua presença ajuda a atrair interesse e construir credibilidade para um país que é sempre controverso em questões sociais e humanitárias.
Logo após a sua chegada, Cristiano falou que enxergava potencial na liga para se tornar bastante competitiva em questão de meses. E a chegada de um grande nome, ainda com muita lenha para queimar, como Neymar, acelerará essa visão do português. Se a responsabilidade por buscar grandes talentos é competência da PIF (o Fundo de Investimentos Público da Arábia Saudita), quem colherá os louros dessas mudanças é Cristiano. Ao menos na narrativa.
Kylian Mbappé, o astro
Com a saída de Neymar, o Paris Saint-Germain se vê ainda mais refém de seu principal (e solo) astro. O artilheiro da última Copa chegou a ser afastado dos treinos por não querer renovar seu contrato – e aumentar os rumores de que sairá de graça ao fim dele, no próximo verão europeu -, mas após um início decepcionante de temporada, o clube percebeu que talvez seja melhor aproveitar os últimos meses do seu futebol a sair sem nada em mãos.
Mbappé, que nunca se negou a treinar, foi reintegrado aos planos do clube, após uma breve e conciliatória conversa, horas depois de… Neymar ser vendido. Os jogadores tiveram rusgas num passado não muito distante e a saída do astro brasileiro coloca Mbappé numa posição de negociação e barganha ainda maior.
PIF, Arábia Saudita e a Liga
Os planos do governo saudita não eram de ser “a nova China” do futebol; a ambição é muito maior do que isso. Eles desejam sediar a Copa do Mundo de 2030, construir popularidade e aceitação ao país através dos esportes e assumir o protagonismo do Oriente Médio, onde disputa cada palmo de influência contra o Irã.
Se o Qatar e os Emirados Árabes Unidos já estão estabelecidos como mercados milionários na região, a PIF quer mostrar que a brincadeira aqui é outra: os investimentos projetados são na casa de 600 bilhões de dólares e envolverá não apenas o futebol.
Mas o futebol é o carro-chefe e a liga só seria de “primeira prateleira” com grandes astros. Cristiano Ronaldo, Benzema, Mané, Firmino, Mahrez, Kanté… todos foram atletas de grande destaque na última década. Pra quem olha de fora, ficava a sensação de que “são ex-astros indo ganhar muito dinheiro antes da aposentadoria”. Os nomes mais novos que chegaram, não te fariam parar para ligar a TV (ou o streaming): Milinkovic-Savic, Rubén Neves, Jota. E aí veio Neymar.
Ele é o jogador brasileiro mais condecorado e reconhecido dos últimos 20 anos, chega ainda com bastante lenha para queimar e saiu da elite europeia para outro mercado. Não teve Premier League ou La Liga que conseguissem pagar o brasileiro. E essa vitória, ninguém tira dos sauditas.
Canal Goat
O projeto encabeçado por Antonio Tabet, Ricardo Taves, André Barros, Rafael Cappelli, Guilherme Prado e Marcos Motta apareceu pro grande público há pouco tempo e já chegou chutando a porta: eles asseguraram os direitos de transmissão de diversas competições, entre a série C do campeonato brasileiro, Copa Argentina e a Liga Saudita.
Os jogos são transmitidos ao vivo e de graça no canal do YouTube, que cresceu 150% nos últimos 2 meses. A chegada de Neymar será uma oportunidade de bombar ainda mais a audiência e aproximar o público de um torneio que será encarado como um produto de qualidade em pouquíssimo tempo.
Perdedores
Neymar, o atleta
Se dinheiro não será um problema, o mesmo não se pode dizer de sua (já desgastada) imagem pública. O anúncio de sua mudança já trouxe uma enxurrada de críticas, tanto do público geral como de analistas. E conviver com esse cenário é um desafio novo na carreira dele.
Quando saiu de Barcelona e foi para o PSG, houve quem o criticasse, dizendo que estava fugindo para “uma liga mais fraca”. Alguns admiraram sua coragem de “sair da sombra de Messi e carregar seu time”. Mas a sensação de que “e se” virou eterna para o atleta. A passagem pelo PSG termina sem glamour algum, numa separação que saiu caro para o jogador, que sai por baixo, e para o clube, que até conseguiu embolsar um bom valor – mas nada próximo aos 222 milhões que investiu para tê-lo e nem conquistar a tão sonhada Champions League.
A ida para uma liga desconhecida, fora do radar das principais emissoras e um nível técnico que não empolga quem gostaria de ver um astro no auge, deixa os torcedores ressabiados. Não é incomum encontrar opiniões como “ele deveria sumir da seleção brasileira” ou “ele se vendeu para um projeto que não acrescentará nada em sua carreira”. Oportunistas aproveitarão esse momento para questionar o jogador. Ele terá 2 anos para provar que estavam errados sobre o movimento.
Futebol brasileiro
A presença de Neymar deve fazer crescer o interesse pelo jogador e mercado brasileiro. Firmino já chegou fazendo gol, Fabinho será titular com menos de 30 anos também e Talisca é uma lenda por lá. Se parar pra pensar um pouco e conectar os pontos, fica claro: o “pé de obra” aqui é muito bom, abundante e barato.
No plano de popularização da liga, o foco ainda deverá ser, por alguns anos, o mercado europeu. Não deve tardar, no entanto, para que mercados mais pobres e periféricos virem alvo dos clubes de lá. É uma oportunidade para aumentar o nível médio da liga, despertar o interesse de um país fanático pelo esporte – e um mercado gigantesco – e estreitar relações com a seleção mais importante do mundo.
Futebol europeu
O dinheiro ilimitado é uma ameaça concreta aos principais clubes europeus. É possível que muitos jogadores não queiram nunca sair da Europa e abandonar o sonho de disputar a Champions League, brigar por prêmios individuais. Mas a concorrência nunca foi tão pesada.
A Arábia Saudita está num fuso horário muito amigável à Europa, é um dos maiores e mais importantes países muçulmanos do mundo – um atrativo para uma quantidade considerável de atletas que vem principalmente do Oriente Médio e África para a Europa – e pode oferecer uma quantidade de dinheiro que clube algum na Europa pode. Estamos falando de jogadores comuns receberem 15, 20 milhões de euros por ano, enquanto receberiam 1 a 2 milhões de euros/ano fora dos principais clubes europeus.
Neymar não apenas é uma figura carismática e atrativa para as principais competições: ele é um jogador de alto nível que preferiu sair da Europa e jogar na Arábia Saudita. Quem serão os próximos?
Seleção Brasileira
Pode ser que a ida para uma competição mais “leve” faça com que o corpo de Neymar se mantenha mais saudável e isso se prove benéfico para qualquer plano de conquistar a Copa do Mundo de 2026. A sua presença em solo saudita, no entanto, colocará uma pressão extra sobre questionamentos de convocação.
Não necessariamente em relação à convocação de Neymar, que dificilmente sairá do grupo. Mas suscitará dúvidas quando pintar uma convocação de Alex Telles ou Fabinho: “Po, mas ele joga na Arábia Saudita”. O torcedor comum ainda compra muito o “pedigree” do jogador pelo clube que ele joga e a liga que disputa. Porém, Neymar é Neymar. Pode ser encarado como exceção, mas não acontecerá com todo mundo. E se acontecer com outros nomes, vai ter pressão pra cima da comissão técnica.
Conclusão
A ida de Neymar para a Arábia Saudita é um marco importante do futebol mundial. Mesmo sem ter estreado, a sua presença mexerá com a dinâmica do tabuleiro. A sua chegada encoraja os bilionários a buscar outros grandes nomes. E a grana ilimitada não será mais o único argumento.
O projeto da PIF talvez não tenha o sucesso que se imagina. Ou talvez tenha por um tempo, até a Copa de 2030. Mas as peças do dominó só estão começando a cair.
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