O ano de 2022 marca o centenário do duelo entre Flamengo e Vasco no futebol. Um confronto que, não por acaso, é apelidado “Clássico dos Milhões”, pela grande quantidade de torcedores que movimenta. Segundo as pesquisas mais recentes do IBOPE, os adeptos dos dois clubes somam quase 30% do total de pessoas que torcem por times de futebol no Brasil. E apesar de os clubes viverem hoje em cenários destoantes, preparamos um artigo especial para colocar os programas de sócio-torcedor de Flamengo e Vasco lado a lado.
Para entender como – e se, de fato – os proramas acompanharam a performance esportiva dos clubes, conversamos com André Monnerat, Diretor de Negócios da Feng, empresa especialista em engajamento do torcedor, e com Eduardo Sá, ex-Diretor Executivo do Vasco da Gama.
Todos os dados utilizados nas análises para a publicação deste artigo foram obtidos publicamente através dos contadores de sócios dos clubes.
Navegue pelo conteúdo:
- Flamengo x Vasco: passado e presente
- Realidades diferentes
- Sócio-torcedor: desempenhos de Flamengo e Vasco de 2019 a 2021
- Sócio-Torcedor do Flamengo: Nação Rubro-Negra
- Sócio-Torcedor do Vasco: Sócio Gigante
- Referências nacionais
Flamengo x Vasco: passado e presente
O primeiro confronto entre Flamengo e Vasco aconteceu no dia 26 de março de 1922 e terminou com vitória rubro-negra por 1 a 0, pelo Torneio Início do Rio de Janeiro. Já a maior goleada foi um 7 a 0 aplicado pelo cruzmaltino, também em um dia 26, só que de abril de 1931. Até o fechamento deste artigo, os dois clubes já haviam se enfrentado em 412 partidas, com os seguintes números:
Retrospecto de Flamengo x Vasco
Número de jogos | 412 |
Vitórias do Flamengo | 156 |
Vitórias do Vasco | 138 |
Empates | 118 |
Número de gols | 1061 |
Gols marcados pelo Flamengo | 541 |
Gols marcados pelo Vasco | 520 |
Os maiores artilheiros, Roberto Dinamite (27 gols) e Zico (19 gols), são também, por coincidência ou não, os maiores ídolos de cada um dos clubes.
Realidades diferentes
Por mais que a história do clássico seja riquíssima e de extremo equilíbrio, o passado recente vem destacando um buraco de desempenho entre as duas equipes.
Rebaixado quatro vezes no século (a última em 2020) o Vasco vê, dentro de campo, o reflexo de uma série de problemas internos, que acarretaram em crises políticas e financeiras, que colocam o clube em um lugar muito distante do que está acostumado a ocupar historicamente.
Já o Flamengo, vive um dos melhores momentos de sua história, dentro e fora de campo. Em 2019 foi campeão do Carioca, Libertadores e do Brasileiro. Em 2020, o clube foi novamente campeão do Carioca e Brasileirão, mesmo com críticas por parte da torcida sobre o desempenho do clube, após a saída do treinador Jorge Jesus.
Sócio-torcedor: desempenhos de Flamengo e Vasco de 2019 a 2021
Talvez nem mesmo o mais fanático torcedor tenha conhecimento de como está a movimentação do programa de Sócio-Torcedor do seu clube de coração — quem dirá, então, dos números do programa do rival. O gráfico acima, com a evolução do número de sócio-torcedores entre 2019 e 2021, traz à tona uma série de respostas, mas também levanta uma série de dúvidas: qual o impacto de títulos no número de sócios? Como a pandemia afetou esse número? Em que momento o meu time tinha mais sócios que o adversário?
Pico vascaíno no ano de ouro rubro-negro
No entanto, em específico para os casos analisados neste texto, uma pergunta com certeza se destaca: como o número de sócios do Vasco conseguiu ultrapassar o número de sócios do Flamengo de maneira tão repentina em 2019, ano de ouro e momento mais importante de conquistas dos rubro-negros no século? A resposta simples seria: uma Promoção de Black Friday, extremamente bem feita e comprada pela base de torcedores.
Examinaremos melhor essa ação adiante no texto, juntamente com os movimentos subsequentes, até chegarmos ao momento em que as curvas voltam a se cruzar e o número de sócios rubro-negros ultrapassa o de cruzmaltinos, um ano e meio depois.
Curva de números absolutos
Outro ponto interessante, além das variações de números absolutos, é a diferença no movimento de ascensão e queda do número de sócios nos dois programas. O Flamengo possui uma curva muito mais estável em relação à apresentada pelo Vasco. I
nclusive, olhos mais apressados podem interpretar que o Sócio Nação não cresceu tanto em 2019. Porém, isso ocorre pela comparação visual ao Sócio Gigante, que teve um crescimento atípico e surpreendente. O programa rubro-negro cresceu 42% no acumulado de 2019, um resultado excelente para qualquer clube no mundo.
Estratégias da Feng
Sobre as estratégias utilizadas para o crescimento de ambos os programas, André Monnerat, diretor na Feng, nos levou à uma breve jornada pelo caminho do torcedor:
“Quem trabalha com marketing está acostumado à ideia de funil de conversão. Primeiro, o público tem que saber que existe o produto, que é a fase da descoberta. Então, ele passa pelas fases de interesse, avaliação, consideração, até chegar na etapa da compra. O trabalho que a Feng tem, é fazer com que o máximo de torcedores conheça o sócio torcedor e seu propósito. Nós conduzimos o torcedor ao meio do funil, onde ele já entende o programa. E quando acontecem os grandes momentos de crescimento, normalmente são fruto de uma fagulha, que leva uma massa da torcida a ter um engajamento maior ainda com o time. A partir desse momento, essas pessoas estão propensas a consumir o time de diversas formas. E por estarem bem posicionadas no funil do sócio torcedor, uma grande parcela irá descer para a etapa de compra, gerando um crescimento acelerado da base de sócios do clube”, explicou André Monnerat.
Sócio-Torcedor do Flamengo: Nação Rubro-Negra
A análise da evolução de sócios do Flamengo passa diretamente por dois fatores primordiais: a excelente fase esportiva vivida pelo clube, e a pandemia do COVID-19. Para acompanhar melhor a sequência de fatos que impactam esses números, seguiremos uma linha do tempo com os acontecimentos mais relevantes para o clube.
O primeiro movimento observado é uma ascensão de janeiro a outubro de 2019, onde o Nação cresceu em aproximadamente 60%, chegando a ultrapassar a marca de 150 mil sócios. Foi durante esse período que o time passou por um início de ano conturbado, sob o comando do técnico Abel Braga, seguido da contração de Jorge Jesus (movimento realizado pelo clube em meio a Copa América sediada no Brasil, no ano de 2019), que culminou na véspera de semifinal da Libertadores contra o Grêmio, que naquela época era treinado por Renato Portaluppi — futuro ex-técnico do Flamengo.
O que o gráfico nos mostra é um primeiro momento de crescimento, em que o clube está disputando o campeonato Carioca com um elenco já composto por nomes de peso e grande investimento; passa por um platô no início de Libertadores e Brasileirão, a fase de maior tensão entre a torcida e o time; e retoma o seu crescimento após a Copa América, com a chegada de Jorge Jesus e as classificações às fases finais da Libertadores.
Ápice antes das taças da Libertadores e do Brasileirão
Vale ressaltar que, antes mesmo do ápice esportivo daquele time, campeão da Libertadores e do Campeonato Brasileiro no mesmo final de semana, o número de sócios atingiu sua máxima, na casa dos 150 mil torcedores, e depois entrou em um processo de queda. Esse descasamento se deve ao fator Maracanã. Em jogos extremamente atrativos, é essencial ser ou se tornar sócio para conseguir um ingresso.
E essa decrescente do gráfico, momentos antes do ponto alto da temporada do clube, é um efeito do alto número de sócios que tornaram-se sócios apenas para ir aos jogos de quartas de final de Copa do Brasil, em que o Athletico Paranaense acabou se classificando no Rio de Janeiro, e de fases decisivas da Libertadores, principalmente o segundo jogo da semifinal contra o Grêmio, também no Maracanã — um marcante 5 a 0 sobre o clube gaúcho, no fim de outubro de 2019.
Para retratar o tamanho da importância da associação para assistir aos jogos no estádio, no dia 13 de setembro daquele ano, mais de um mês antes da partida, já haviam sido vendidos quase 40 mil ingressos. Naquele mês, o número de sócios aumentou 30% em relação ao mês anterior. E a venda para a torcida rubro negra se manteve exclusiva ao sócio-torcedor até o dia 20 de outubro.
Efeitos da pandemia
Com a ausência de jogos dessa proporção em sua casa, no decorrer daquela temporada, era de se esperar uma queda no número de sócios. Esse processo, que seria orgânico, ganhou peso no primeiro semestre do ano seguinte, com a deflagração da pandemia de Covid-19. E, coincidentemente, a paralisação do futebol brasileiro se deu justamente no mês em que venciam as semestralidades daqueles que contrataram seus planos em setembro de 2019. Em março de 2020, o clube perdeu 10% da sua base de sócios em relação ao mês anterior.
Iniciou-se um processo de recuo desses números, que haviam disparado no ano anterior. Em maio de 2020, o número de sócios retornou ao patamar do início de 2019, na casa dos 94 mil sócios. Praticamente todos os meses, desde a chegada do vírus ao Brasil, até junho de 2021, o programa enfrentou uma redução de sua base mensal — com exceção do mês de novembro. Em julho de 2021, o número voltou a crescer, chegando a aumentar mais de 23%, do fim de agosto, até o fim de outubro. Abaixo, encontra-se uma tabela com os principais momentos desse caminho de evolução do programa Nação.
Números do programa de sócio-torcedor do Flamengo
Momento em destaque | Mês | Números |
Maior número de Sócios no Período | Set/19 | 150 mil Sócios |
Menor número de Sócios no Período | Jun/21 | 59 mil Sócios |
Maior Crescimento Mensal | Set/19 | +35 mil Sócios |
Maior Queda Mensal | Mar/20 | -13 mil Sócios |
Sócio-Torcedor do Vasco: Sócio Gigante
Se a fase esportiva do Flamengo era e é uma das melhores de sua história, podemos dizer que a do Vasco segue um rumo bastante diferente. Assim como no caso anterior, a análise da curva de sócios vascaínos passará por dois pontos principais. O primeiro, e mais curioso de se entender, é como o Vasco consegue multiplicar (por quase 10 vezes) o seu número de sócios, num período curtíssimo de tempo.
Mais do que isso, buscaremos a explicação de como a grande diferença entre as fases dos rivais cariocas pode ter contribuído, por mais paradoxal que essa constatação pareça ser. O segundo ponto, inevitável, é a pandemia de Covid-19 e seus efeitos no futebol brasileiro. Assim como no caso do Flamengo, seguiremos uma ordem cronológica na análise.
Ação promocional na Black Friday
A ação de Black Friday do clube era: oferecer aos torcedores 50% de desconto em todos os planos, com período de permanência mínimo de seis meses. De acordo com Eduardo Sá, ex-Diretor Executivo do Vasco e responsável pelo Sócio Gigante naquela época, a meta era atingir 50 mil sócios com a promoção. Isso permitiria que, com as eventuais saídas naturais após adesões em massa a qualquer programa, o Vasco começasse a temporada seguinte com cerca de 35 mil sócios, o que seria uma marca historicamente muito boa para o clube. No entanto, uma série de fatores contribuíram para que os resultados superassem, e muito, a expectativa criada naquela época.
Primeiramente, a promoção era simples de se entender e atrativa ao torcedor. Eduardo Sá já possuía uma visão clara de que era “fundamental comunicar uma coisa só”. O desconto era da mesma proporção para qualquer um dos planos, e o torcedor só precisava escolher entre as opções já disponíveis e aplicar o cupom de desconto. Igual para todos os níveis, e amplamente divulgado nas redes sociais do clube.
Um segundo ponto a ser destacado é o chamado “efeito manada” que o clube conseguiu promover da torcida. Ao disponibilizar um contador em tempo real do número total de sócios, o Vasco fez desse valor o “entretenimento” da torcida naquele momento, que celebrava junto ao clube nas redes sociais a cada marca importante atingida, inflamando e ampliando a mensagem principal da ação, de conseguir o maior número de sócios possível.
Disparada de acessos ao site
Sobre o contador, Eduardo nos revelou que o volume de acessos ao site — muitos feitos por torcedores que queriam ficar acompanhando a evolução do número de sócios — disparou em um nível que a principal preocupação deixou de ser comunicação por um momento, e passou a ser tecnologia.
“Nós decidimos em algum momento dar uma travada no contador, para conter a galera que estava gerando muito tráfego por curiosidade do número. E, então, teve um sócio do Vasco que fez algo melhor ainda. Ele fez um outro site só para mostrar o contador, para que as pessoas acessassem o outro site e não congestionassem o site do sócio gigante. Esse outro site ainda contava com anúncios, e toda receita a partir desses acessos o sócio redirecionaria para o Vasco.”
Rivalidade e orgulho em bater o Flamengo
O terceiro e último ponto importante para a superação das expectativas era a fase vivida pelo Flamengo. O rival, comandado por Jorge Jesus em 2019, colocou o futuro do futebol brasileiro em debate, levantando a hipótese de nos tornarmos uma espécie de Liga Espanhola, com 2 ou 3 times competitivos para disputar títulos. Ou até um Campeonato Alemão, com a dominância esportiva e econômica de um único clube sobre os demais.
A torcida do Vasco, que tem orgulho de sempre se unir em defesa do clube em momentos importantes, fez o seu papel mais uma vez. Por meio da associação em massa, ultrapassou o número de sócios do Flamengo e transformou o Sócio Gigante, que iniciou o ano na casa dos 20 mil associados, num programa com quase 200 mil sócios torcedores.
É evidente que, apesar de ter conseguido promover um case de sucesso inédito no futebol brasileiro, essa explosão de sócios geraria, no futuro, uma queda de base ativa. Isso já era previsto e considerado, inclusive em planos anteriores ao sucesso da Black Friday, como contou Eduardo:
“É muito difícil ver um programa de sócio que se sustente com muito mais do que o dobro da capacidade de seu próprio estádio”. “A capacidade de São Januário na época era cerca de 23 mil. Quando eu comecei a pensar nisso, ainda era início de Outubro, quando viramos com aproximadamente 30 mil sócios.”, completou o ex-executivo do Vasco.
Queda no número de associados
Apesar de esperado, vale entrarmos um pouco mais a fundo nos motivos pelos quais o Sócio Gigante não se manteve naquela magnitude de sócios.
Começando pelo mais intuitivo, após aumentar em mais de 700% sua base de sócios, é de se esperar que o número vá, ao longo do tempo, regredindo à média do clube e da realidade nacional. Inclusive, já que os descontos de Black Friday foram válidos para períodos de pelo menos 6 meses de permanência, é igualmente esperado que, a partir daquele momento, o clube passe a lidar com ondas de saídas e lutas por renovação a cada 6 meses, até que esse efeito se minimizasse com o tempo. E foi o que, de fato, aconteceu.
O fator pandemia
Mas antes dessa primeira onda de encerramento de contratos, o Vasco, assim como todos os outros clubes do futebol brasileiro, enfrentou a paralisação das atividades esportivas em decorrência da pandemia de Covid-19. E o mais interessante, no caso do Vasco, é que a taxa de redução na base de sócios do clube se manteve muito próxima da normal, se comparada com os meses de 2020 que antecederam a chegada do vírus ao Brasil. O Flamengo, por outro lado, teve uma queda levemente acentuada naquele período.
Em junho de 2020, o Vasco enfrentaria a primeira onda de renovações e saídas decorrentes da ação de Black Friday, em meio à um cenário de paralisação do futebol e de crise sanitária e econômica. A queda foi grande. Olhando para o desempenho mês a mês de julho, o Vasco perdeu quase 35% da sua base de sócios, cerca de 60 mil torcedores.
A queda, que pode parecer assustadora em um primeiro momento, deve ser interpretada como consequência natural do cenário em que o clube se encontrava: má fase esportiva, sem jogos, e, futuramente, com jogos sem torcida. Olhando por uma ótica mais positiva, mesmo com uma curva decrescente enorme no período, o Vasco chegou ao fim de julho de 2020 com 120 mil sócios, 400% a mais em relação ao início do ano anterior, e ainda acima do número de associados do Flamengo.
É claro que uma redução de receita recorrente nunca é boa, mas se dermos um passo para trás e olharmos o cenário do Sócio Gigante de maneira mais ampla, vemos um panorama em que nem o mais otimista vascaíno poderia ter previsto no início de 2019: o clube chegaria ao meio do ano seguinte com mais de 120 mil sócios.
Infelizmente, tanto de forma gradual ao longo dos meses, quanto nos períodos sazonais de saídas em massa, o Sócio Gigante segue em um processo de regressão à média do seu tamanho de base. O clube fechou o ano de 2020 com 87 mil sócios, 64 mil a mais do que em janeiro de 2019, mas 98 mil abaixo de como o clube havia começado o ano de 2020.
No momento em que se confirmou o 4º rebaixamento da história do Vasco, haviam 79 mil vascaínos associados ao clube. No mês de agosto de 2021, o Flamengo retoma a dianteira na comparação entre os programas de sócios dos clubes. Pela primeira vez, o Vasco não conseguiu o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro logo após o rebaixamento, e irá disputar a segunda divisão novamente em 2022.
Assim como para o caso do Flamengo, encontra-se abaixo uma tabela com os principais momentos da evolução do Sócio Gigante.
Números do programa de sócio-torcedor do Vasco
Momento em Destaque | Mês | Números |
Maior número de Sócios no Período | Dez/19 | 186k Sócios |
Menor número de Sócios no Período | Jan/19 | 22k Sócios |
Maior Crescimento Mensal | Nov/19 | +90k Sócios |
Maior Queda Mensal | Jun/20 | -60k Sócios |
Referências nacionais
É com esse fechamento dramático para o torcedor vascaíno, em contraste ao momento dos rivais flamenguistas, que se encerra esse artigo e a análise do Nação e do Sócio Gigante.
Por caminhos diferentes, Flamengo e Vasco são cases de sucesso no que se refere à programas de sócio-torcedor no Brasil. E estão contribuindo para o desenvolvimento desse cenário de aumento da participação do torcedor junto à realidade de seu clube de coração.
Créditos: Estruturação e coordenação por Bruno A. Matos