A recuperação do mercado de transferências pós-pandemia

Entenda as estratégias e desafios dos clubes no mercado de transferências em um novo cenário do futebol mundial


Por Guilherme Calafate

1 de dezembro de 2024

O mercado de transferências do futebol europeu vive um momento de transição em 2024, após o impacto profundo da pandemia de COVID-19. Embora os gastos totais com transferências tenham diminuído em relação ao ano anterior, o cenário atual ainda apresenta um volume de investimentos 70% superior aos anos mais afetados pela crise sanitária, como as temporadas de 2020/21 e 2021/22, segundo dados da Football Benchmark. Essa recuperação, porém, vem acompanhada de ajustes estratégicos por parte dos clubes, marcados por maior cautela e foco em sustentabilidade financeira.

Retomada pós-pandemia

A temporada 2024/25 marca a primeira redução nos gastos agregados desde o início da recuperação pós-pandemia, conforme aponta a análise da Football Benchmark. Estima-se que o total de investimentos atinja 7,52 bilhões de euros, representando uma queda de 9% em comparação aos 8,17 bilhões de euros registrados na temporada anterior. Essa retração reflete não apenas o contexto macroeconômico, mas também a aplicação mais rigorosa de regras financeiras, como os Regulamentos de Sustentabilidade Financeira da UEFA, que impõem limites às perdas dos clubes.

O mercado saudita, que despontou como novo protagonista em 2023, também registrou uma redução significativa nos gastos, com um decréscimo de 470 milhões de euros, de acordo com o levantamento. Essa desaceleração impactou diretamente a capacidade de investimento dos clubes europeus, que vinham se beneficiando das vendas para equipes da Arábia Saudita.

Concentração de poder econômico

Um dos aspectos mais notáveis do mercado de transferências atual é a concentração do poder de compra em um seleto grupo de clubes, especialmente nas cinco principais ligas europeias (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França). Dados da Football Benchmark revelam que, na Premier League, apenas Chelsea e Manchester United responderam por 21% dos gastos do campeonato desde 2018/19. Em ligas como a LaLiga e a Ligue 1, essa concentração é ainda mais acentuada, com dois clubes representando até 38% do total investido.

Essa concentração não se limita às ligas domésticas. Em toda a Europa, os 20 maiores gastadores foram responsáveis por 40% dos investimentos em transferências. Ao expandir para os 100 maiores clubes, esse percentual sobe para quase 90%, evidenciando a disparidade entre uma elite financeira e a maioria dos clubes que dependem de vendas para equilibrar suas finanças.

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O papel dos “net sellers” e o desenvolvimento de talentos

Enquanto os grandes clubes concentram os investimentos, equipes menores têm se destacado como “net sellers” — ou seja, clubes que geram receita principalmente com a venda de jogadores. Portugal, em especial, lidera esse modelo com clubes como Vitória SC, Braga e Sporting, segundo a análise da Football Benchmark. Essas equipes operam como desenvolvedoras de talentos, suprindo a demanda dos gigantes europeus por jogadores jovens e promissores.

Esse movimento não é apenas uma estratégia de mercado, mas uma necessidade financeira. Para muitos clubes fora do eixo das grandes ligas, a receita proveniente de transferências é fundamental para sustentar suas operações e manter a competitividade.

Riscos e estratégias

Apesar dos valores elevados envolvidos em transferências de estrelas, o levantamento da Football Benchmark aponta um padrão preocupante: muitos dos jogadores contratados por cifras superiores a 75 milhões de euros tiveram uma desvalorização de mercado significativa. Exemplos como Eden Hazard e Harry Maguire ilustram os riscos financeiros associados a essas aquisições. Hazard, contratado por 115 milhões de euros pelo Real Madrid, viu seu valor de mercado despencar para 36 milhões de euros em apenas dois anos, agravado por lesões e baixo rendimento.

Com isso, a estratégia de investimento mudou. Clubes estão priorizando a contratação de jovens talentos como ativos de longo prazo. Em 2024, 13% dos investimentos foram direcionados a jogadores com menos de 19 anos, um recorde histórico, conforme dados da Football Benchmark. Essa abordagem busca não apenas potencializar o retorno financeiro em futuras vendas, mas também minimizar os riscos associados às grandes contratações.

Tendências futuras e sustentabilidade

O cenário pós-pandemia trouxe uma nova consciência financeira para o mercado de transferências. A sustentabilidade passou a ser uma prioridade, especialmente com a pressão regulatória. Alternativas como transferências gratuitas, exemplificadas pela possível ida de Kylian Mbappé ao Real Madrid sem custo de transferência, despontam como soluções atraentes para clubes e jogadores.

No horizonte, o mercado de transferências segue dinâmico e imprevisível. Enquanto clubes buscam equilibrar desempenho esportivo e viabilidade financeira, o papel de desenvolvedores de talentos continuará essencial. O desafio, agora, é adaptar-se a um contexto onde o sucesso não depende apenas de grandes investimentos, mas de estratégias inteligentes e sustentáveis.