Os três pilares do patrocínio esportivo contemporâneo

Bancos, sites de apostas e empresas de criptomoedas dominam os patrocínios estampados nas camisas de clubes da Série A do Campeonato Brasileiro


Por Leonardo Queiroz

27 de abril de 2022

patrocínio

Estampar um patrocínio em seu uniforme é uma questão de sobrevivência financeira para a grande maioria dos clubes de futebol do mundo, mas nem sempre isso foi permitido. Uma das principais fontes de renda das equipes e um interessante negócio para quem quer expor sua marca, a exibição de marcas patrocinadoras nos uniformes de jogo só foi permitida pela FIFA nos anos 80, graças à ousadia de um clube alemão pouco conhecido atualmente.  

Em 1973, o clube alemão Eintracht Braunschweig entrou em campo para uma partida do campeonato alemão com o logo da destilaria Jägermeister estampado em sua tradicional camisa amarela. Como os anúncios no uniforme eram explicitamente proibidos na época, o clube retirou o seu escudo e o substituiu pelo alce característico do logo da empresa de destilados, por um valor de 100 mil marcos alemães. 

A estratégia deu tão certo que o clube saiu ileso da jogada e influenciou outros times, como o Bayern de Munique, que, na temporada 1973/1974, passou a usar um uniforme vermelho sem o distintivo do clube e com a logotipo da marca Adidas no peito. A partir de então, timidamente outras equipes da Europa passaram a contar com patrocínios em suas camisas até que, nos anos 80, a Fifa liberou o anúncio nos uniformes de jogo para todas as federações. 

No Brasil, o primeiro clube a exibir um patrocinador oficialmente em seus uniformes foi o Democratas de Sete Lagoas, de Minas Gerais. Pelo valor de Cr$ 500 mil, o Democratas ostentou a marca de material esportivo Equipe, além do logo do banco Agrimisa. A novidade aconteceu em julho de 1982, após uma mudança na legislação do antigo Conselho Nacional de Desportos (CND) que acabou com a proibição. 

Patrocinadores históricos 

Desde então, do século passado até o início da década de 2010, existia uma variedade notável nos nichos de marcas patrocinadoras dos clubes brasileiros. De montadoras de veículos, produtos de consumo doméstico dos mais variados tipos, como eletrônicos, leite, sabão em pó ou salsicha, grandes construtoras da engenharia civil, tintas e materiais de construção, até estatais ou empresas de economia mista. Tudo isso precedido pela hegemonia marcante da Coca-Cola, nos anos 80.  

Confira abaixo os 10 patrocínios que marcaram história no futebol brasileiro: 

Clube Patrocinador 
Palmeiras Parmalat 
Corinthians Suvinil 
Botafogo 7-Up 
Grêmio Renner 
Flamengo Petrobras 
Vasco SBT 
Fluminense Unimed 
São Paulo  LG 
Cruzeiro  FIAT 
Santos  Bombril 

Domínio dos bancos e sites de apostas 

No final de 2020, se tornou evidente um grande oligopólio de patrocinadores dos clubes de futebol brasileiros. Os bancos e sites de apostas perceberam que o patrocínio ao futebol nacional gera um forte engajamento e aumenta consideravelmente suas bases de clientes ativos.  

Apesar dos patrocínios bancários existirem no futebol brasileiro desde a década de 80, com o patrocínio pontual do Banco Nacional para Vasco e Fluminense nas finais do Brasileiro de 1984 e os bancos Credireal e Agrimisa estampados na camisa do Atlético-MG nos anos 80, a “invasão bancária” começou no final da década de 2010. O patrocínio do banco Banif para a Portuguesa em 2007 puxou a fila de diversos clubes que ostentaram as marcas de variados bancos como patrocinadores master. Contudo, logo os bancos foram superados em número pelos sites de apostas, figurando em outros espaços dos uniformes, como a manga da camisa ou logo abaixo, em menor escala, do patrocínio master. 

Em meados de 2020, um estudo realizado pelo Grupo SISU durante a pandemia constatou que já havia mais sites de apostas do que bancos como patrocinadores na Série A do Brasileirão, com a marca de 12 clubes patrocinados. Os bancos, por sua vez, figuravam em 9 clubes. A interseção entre eles revelava 5 clubes, que tinham o patrocínio de ambos os setores em seus uniformes. Apenas 4 clubes não tinham bancos nem casas de apostas como patrocinadores.  

Resumindo em percentuais, eram 80% dos clubes com bancos/apostas e 20% sem esses setores.  

A popularização das criptomoedas 

Na época de pandemia, evidentemente alguns costumes começaram a mudar. As pessoas, em reclusão social, começaram a criar hábitos e hobbies diferentes, como o aumento de consumo no ecommerce, para todos os tipos de compras, uso maior de redes sociais, streaming e plataformas de videoconferências e até mesmo um maior interesse por economia e investimentos foi notado. 

Esses novos hábitos e hobbies aceleraram processos, assim como em toda crise. Logo, o comércio tradicional redirecionou todo seu investimento e atenção para o desenvolvimento de apps para delivery, visto que, por muitas semanas, essa foi sua única fonte de receita. Outro setor que se popularizou foi o de corretoras de investimento. A oportunidade de comprar ativos a preço de banana, por conta da queda exagerada de valores que se dá em toda crise, fez com que as pessoas que estavam de fora do mundo dos investimentos experienciassem o famoso FOMO – Fear of Missing Out.  Esse fenômeno basicamente consiste em uma pessoa ver outras enriquecendo com investimentos novos enquanto as suas economias na poupança perdem para a inflação. A pessoa rapidamente consome conteúdos educativos sobre esses investimentos e aplica parte de seu capital, para não ficar de fora da onda do momento. 

Em um estudo recente, sobre os patrocínios deste ano de 2022, o Grupo SISU constatou interessantes mudanças no futebol brasileiro. A principal delas foi o surgimento desse novo setor para o oligopólio de patrocinadores. Essa nova modalidade de investimento foi muito comentada durante a pandemia, devido a uma valorização assustadora gerada por uma certa perda de credibilidade das moedas tradicionais, causada pela grande quantidade de impressão de dinheiro por parte dos bancos centrais, para salvar as suas economias e a população. 

Hoje, temos 6 clubes com empresas de criptomoedas como patrocinadores, o que já representa 30% da série A. Antes da pandemia não existia nenhum desses patrocínios, mesmo com a existência das criptomoedas desde 2009. 

Já os bancos, diminuíram minimamente a sua participação. Apesar do aumento de bancos digitais, a participação do setor caiu apenas 1 clube da série A de 2020 para a de 2022. Hoje, são 8 clubes com bancos no uniforme principal de jogo. Um número ainda bem alto, que representa 40%. 

A segunda maior mudança foi o aumento considerável da quantidade de casas de apostas nos patrocínios aos clubes. Em 2022, temos quase uma casa de aposta para cada clube da Série A do Brasileirão. Quem teve cupim em casa sabe que eles se reproduzem em progressão geométrica. O surgimento de novos sites de apostas vem nesse ritmo acelerado, com grandes investimentos sendo feitos nos clubes e torneios de nosso futebol. Atualmente, são 17 clubes da série A com sites de apostas como patrocinadores. Isso representa 85% do campeonato. 

Além disso, não há nenhum clube da série A que não tenha patrocínios de bancos, apostas ou criptomoedas. Não há um único uniforme de clube da série A de 2022 sem uma marca de algum desses 3 setores. 

Perspectivas futuras 

Devido ao sucesso dos patrocínios tanto em adesão do público quanto em expansão das marcas, é de se esperar que esses três setores se mantenham dominantes por mais algum tempo. Porém, na próxima década, dois nichos podem se fazer cada vez mais presentes no futebol brasileiro, devido às mudanças de hábitos presenciadas atualmente, que são as varejistas de ecommerce e as plataformas de streaming/broadcast.  

Já existem alguns casos começando a surgir, como o patrocínio pontual da Netflix ao Tuntum do Maranhão e do Prime Video ao São Paulo, representando as plataformas de streaming e broadcast. Já as representantes do ecommerce são a Havan, que está há bastante tempo em vários clubes do Brasil, o Mercado Livre, patrocinador do Flamengo, e a Americanas, patrocinadora dos dois rivais do Rio Grande do Sul, Grêmio e Internacional. 

Aparentemente, a grande variedade de patrocinadores e as marcas de produtos de consumo ficaram nos uniformes do passado. Hoje, é notório uma tendência desses produtos serem anunciados somente em estratégias de marketing com influenciadores nas redes sociais. Talvez as marcas tenham começado a conseguir métricas mais vantajosas em aumento de vendas, comparando os custos e benefícios dos investimentos. Porém, não é nada que o poder de engajamento do futebol e seus fãs não possam conseguir atrair de volta. Para isso, há de se repensar vantagens para os fãs de um clube ao consumir o produto que pode ser um patrocinador em potencial, mas também, estratégias para incluir influenciadores.  

Uma das principais tendências do mundo publicitário atual são as famosas collabs, em que duas marcas se juntam para lançar um produto ou um serviço ao mercado. Nada impede que clubes e influenciadores se juntem e construam estratégias em conjunto, para captar essas marcas de produtos de forma colaborativa, com opções de ativações complementares. Resta saber se os clubes conseguirão atingir o coração das variadas marcas oferecendo ativações bastante criativas e impulsionamento de engajamento através da sua base de fãs e se também os setores dominantes abrirão espaço para a pluralidade de patrocinadores ou vão preferir investir com ainda mais força para garantir sua exclusividade.  

Créditos: Estruturação e coordenação por Thiago Dias e Guilherme Calafate