Foto: Vítor Silva/Bot afogo
O Botafogo levou exatos 100 dias, após o prazo legal, para publicar as suas demonstrações contábeis referentes a 2024. Um retrato que ajuda a entender a performance esportiva de uma temporada épica, pois nunca jorrou tanto dinheiro em General Severiano, e que põe pontos de interrogação sobre como será o futuro.
No contexto atual, está o litígio entre John Textor e seus ainda sócios na Eagle Football Holdings, grupo de clubes que detém 90% da SAF botafoguense. Entre esses sócios, estão Ares Management e Iconic Sports, que negociam para tirar o americano do controle da companhia-mãe, história que desenrola neste momento.
A condição financeira do Botafogo importa também nesse sentido. Do ponto de vista de Textor, ele quer demonstrar a valorização do ativo depois de sua chegada e cobrar valores devidos do Lyon, integrante da Eagle. Do ângulo dos sócios, já houve a tentativa de tirar Textor da SAF. Números ruins podem reforçar tal argumentação.
Ao balanço
A temporada de 2024 foi marcada por um aumento expressivo no faturamento. A SAF tinha conseguido R$ 389 milhões no ano anterior e saltou para R$ 704 milhões.
ORIGEM DA RECEITA | 2023 | 2024 |
Transmissão | 154 | 358 |
Comercial | 68 | 125 |
Matchday | 78 | 109 |
Atletas | 83 | 101 |
Outros | 6 | 11 |
Total | 389 | 704 |
Todas as linhas cresceram entre um exercício e outro, mas a maior diferença está nas premiações e nos bônus por participação de competições — classificados no quadro acima entre os direitos de transmissão. Ambos os títulos foram marcantes.
O maior risco, ainda sobre as receitas, está na previsibilidade delas. Entradas com direitos de transmissão fixos, patrocínios, bilheterias e sócios-torcedores são recorrentes, por mais que haja variações naturais em contratos e demandas. Já as premiações de campeonatos e vendas de atletas são consideradas “não recorrentes”.
No Botafogo, metade das receitas não são recorrentes, ou seja, elas não se repetem com facilidade. Não se pode planejar a temporada seguinte contando com os títulos da Libertadores e do Brasileiro, por exemplo. Isto valerá principalmente para 2026, já que em 2025 a participação na Copa do Mundo de Clubes causará novo boom.
ORIGEM DA RECEITA | 2023 | 2024 |
Recorrentes | 245 | 345 |
Não-recorrentes | 144 | 358 |
Total | 389 | 704 |
Seguindo a conta operacional, a SAF está com custos elevados tanto na folha salarial — soma de salários, encargos sociais, bonificações e direitos de imagem — quanto nos gastos gerais e administrativos. O EBITDA fecha ligeiramente positivo, próximo de R$ 30 milhões no azul em 2024, porém insuficiente para os problemas a seguir.
A folha salarial também é impactada pelos títulos, vale anotar. Como os clubes têm o costume de repassar grande parte das premiações aos atletas e à comissão técnica, para incentivar o desempenho esportivo, os gastos aumentam junto das receitas.
CUSTO POR DESTINO | 2023 | 2024 |
Deduções | 33 | 55 |
Folha salarial | 260 | 440 |
Administrativos | 122 | 177 |
Total | 415 | 672 |
Dívidas, dívidas
Embora a conta operacional esteja positiva na temporada passada, o Botafogo tem se endividado em ritmo muito acelerado, principalmente por causa das contratações de atletas e de obrigações que deixou de pagar nas últimas temporadas.
Aqui, o cálculo precisa incluir o balanço da associação alvinegra, o Botafogo de Futebol e Regatas, pois a SAF se responsabilizou por pagar as suas dívidas no momento em que Textor adquiriu o futebol, em 2022. O clube-empresa faz repasses periódicos de verba para que a associação cumpra seus acordos trabalhistas e fiscais.
Ao término de 2024, este era o endividamento das entidades:
Em apenas três anos de operação, o clube-empresa acumulou uma dívida maior do que a detida pela associação civil. Não que faça muita diferença na prática, porque ambas deverão ser quitadas pelo mesmo caixa, oriundo das mesmas receitas.
Eis alguns tópicos relevantes para entender o perfil do endividamento:
Outros aspectos relevantes:
Opinião
O Botafogo está alavancado. Não exatamente seguindo o conceito tradicional, pois as suas dívidas com instituições financeiras são marginais comparadas ao todo, mas no jeito futebolístico, com compras de jogadores parceladas e sem recolher impostos.
O torcedor não deve sentir o resultado dos riscos financeiros já em 2025. Com o time que acaba de ser construído por centenas de milhões de reais, o desempenho tende a seguir em alta. E o balanço desta temporada, quando for publicado, em 2026, demonstrará uma receita crescente, por causa da premiação da Copa.
Mas que não se subestime a necessidade de reorganizar o clube-empresa. Com receitas dependentes de premiações e vendas de atletas, custos em expansão e principalmente dívidas tão altas, qualquer queda de performance pode ser fatal.