Temporada histórica, R$ 1,7 bilhão em dívidas: entenda o balanço do Botafogo

Por Rodrigo Capelo 12/08/2025 | 08h00
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Foto: Vítor Silva/Bot afogo

 

O Botafogo levou exatos 100 dias, após o prazo legal, para publicar as suas demonstrações contábeis referentes a 2024. Um retrato que ajuda a entender a performance esportiva de uma temporada épica, pois nunca jorrou tanto dinheiro em General Severiano, e que põe pontos de interrogação sobre como será o futuro.

 

No contexto atual, está o litígio entre John Textor e seus ainda sócios na Eagle Football Holdings, grupo de clubes que detém 90% da SAF botafoguense. Entre esses sócios, estão Ares Management e Iconic Sports, que negociam para tirar o americano do controle da companhia-mãe, história que desenrola neste momento.

 

A condição financeira do Botafogo importa também nesse sentido. Do ponto de vista de Textor, ele quer demonstrar a valorização do ativo depois de sua chegada e cobrar valores devidos do Lyon, integrante da Eagle. Do ângulo dos sócios, já houve a tentativa de tirar Textor da SAF. Números ruins podem reforçar tal argumentação.

 

Ao balanço

A temporada de 2024 foi marcada por um aumento expressivo no faturamento. A SAF tinha conseguido R$ 389 milhões no ano anterior e saltou para R$ 704 milhões.

 

ORIGEM DA RECEITA 2023 2024
Transmissão 154 358
Comercial 68 125
Matchday 78 109
Atletas 83 101
Outros 6 11
Total 389 704

 

Todas as linhas cresceram entre um exercício e outro, mas a maior diferença está nas premiações e nos bônus por participação de competições — classificados no quadro acima entre os direitos de transmissão. Ambos os títulos foram marcantes.

 

  • R$ 194 milhões vieram da Libertadores, cujo faturamento comercial e de mídia é repartido pela Conmebol conforme os clubes avançam de fase;

 

  • R$ 48 milhões vieram do Brasileiro, que até 2024 tinha 30% do contrato da Globo direcionados aos times de acordo com a posição na tabela.

 

O maior risco, ainda sobre as receitas, está na previsibilidade delas. Entradas com direitos de transmissão fixos, patrocínios, bilheterias e sócios-torcedores são recorrentes, por mais que haja variações naturais em contratos e demandas. Já as premiações de campeonatos e vendas de atletas são consideradas “não recorrentes”.

 

No Botafogo, metade das receitas não são recorrentes, ou seja, elas não se repetem com facilidade. Não se pode planejar a temporada seguinte contando com os títulos da Libertadores e do Brasileiro, por exemplo. Isto valerá principalmente para 2026, já que em 2025 a participação na Copa do Mundo de Clubes causará novo boom.

 

ORIGEM DA RECEITA 2023 2024
Recorrentes 245 345
Não-recorrentes 144 358
Total 389 704

 

Seguindo a conta operacional, a SAF está com custos elevados tanto na folha salarial — soma de salários, encargos sociais, bonificações e direitos de imagem — quanto nos gastos gerais e administrativos. O EBITDA fecha ligeiramente positivo, próximo de R$ 30 milhões no azul em 2024, porém insuficiente para os problemas a seguir.

 

A folha salarial também é impactada pelos títulos, vale anotar. Como os clubes têm o costume de repassar grande parte das premiações aos atletas e à comissão técnica, para incentivar o desempenho esportivo, os gastos aumentam junto das receitas.

 

CUSTO POR DESTINO 2023 2024
Deduções 33 55
Folha salarial 260 440
Administrativos 122 177
Total 415 672

 

Dívidas, dívidas

Embora a conta operacional esteja positiva na temporada passada, o Botafogo tem se endividado em ritmo muito acelerado, principalmente por causa das contratações de atletas e de obrigações que deixou de pagar nas últimas temporadas.

 

Aqui, o cálculo precisa incluir o balanço da associação alvinegra, o Botafogo de Futebol e Regatas, pois a SAF se responsabilizou por pagar as suas dívidas no momento em que Textor adquiriu o futebol, em 2022. O clube-empresa faz repasses periódicos de verba para que a associação cumpra seus acordos trabalhistas e fiscais.

 

Ao término de 2024, este era o endividamento das entidades:

 

  • R$ 984 milhões — SAF
  • R$ 720 milhões — BFR
  • Total: R$ 1,7 bilhão

 

Em apenas três anos de operação, o clube-empresa acumulou uma dívida maior do que a detida pela associação civil. Não que faça muita diferença na prática, porque ambas deverão ser quitadas pelo mesmo caixa, oriundo das mesmas receitas.

 

Eis alguns tópicos relevantes para entender o perfil do endividamento:

 

  • Em 31 de dezembro de 2024, a SAF devia R$ 557 milhões por transferências de atletas. É a soma de direitos econômicos e federativos de reforços, intermediações de agentes e luvas por contratos com jogadores;

 

  • Embora tenha começado a sua operação sem qualquer dívida fiscal, a SAF já possui R$ 199 milhões parcelados em programa da Receita Federal. Nesses três anos, o clube-empresa deixou de recolher seus impostos corretamente;

 

  • No balanço, a SAF reconhece dívida de R$ 79 milhões com o Lyon. Importante destacar que esse valor era devido em 31 de dezembro e provavelmente foi alterado por novas transações no decorrer da temporada de 2025;

 

  • A SAF registrou empréstimos com instituições financeiras no valor de R$ 115 milhões. Todos foram contabilizados no curto prazo, isto é, a pagar em menos de um ano. Os principais credores são BTG Pactual, Daycoval e BMG.

 

Outros aspectos relevantes:

 

  • A BDO, auditora externa, atestou a veracidade dos números no balanço, mas deixou dois alertas em seu parecer. Primeiro, a firma acusa uma “deficiência no capital de giro” na ordem de R$ 582 milhões. Segundo, ela dá ênfase ao fato de que transferências com partes relacionadas (leia-se: Lyon) poderiam ter resultados diferentes se fossem praticadas com outros entes do mercado;

 

  • Se por um lado o Botafogo reconhece uma dívida de R$ 79 milhões com o Lyon, por outro a SAF alega que a Eagle Football Holdings lhe deve R$ 559 milhões. O valor corresponde principalmente a direitos de atletas transferidos;

 

  • Para que o fluxo de caixa se mantivesse positivo em 2024, foi necessário o aporte de R$ 166 milhões por parte dos proprietários. Em 2023, já tinha havido a injeção de R$ 81 milhões. A SAF tem operado com os bolsos de seus donos;

 

  • O Botafogo tem antecipado receitas para se manter competindo. Só em 2024, a SAF pagou R$ 130 milhões em “taxas de antecipação”;

 

  • No balanço, a SAF fez a reapresentação das responsabilidades financeiras junto à associação civil. Se no início a obrigação pelo pagamento de sua dívida era nominalmente de John Textor, neste balanço o clube-empresa informou que esse dever pertence formalmente à companhia-mãe, Eagle Football Holdings.

 

Opinião

O Botafogo está alavancado. Não exatamente seguindo o conceito tradicional, pois as suas dívidas com instituições financeiras são marginais comparadas ao todo, mas no jeito futebolístico, com compras de jogadores parceladas e sem recolher impostos.

 

O torcedor não deve sentir o resultado dos riscos financeiros já em 2025. Com o time que acaba de ser construído por centenas de milhões de reais, o desempenho tende a seguir em alta. E o balanço desta temporada, quando for publicado, em 2026, demonstrará uma receita crescente, por causa da premiação da Copa.

 

Mas que não se subestime a necessidade de reorganizar o clube-empresa. Com receitas dependentes de premiações e vendas de atletas, custos em expansão e principalmente dívidas tão altas, qualquer queda de performance pode ser fatal.

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