Foto: Divulgação/Fortal eza
A febre das marcas próprias está perto do fim na elite do futebol nacional. Segundo relatório da Jambo Sport Business, que analisou fornecedoras de material esportivo em ligas do mundo todo, o número de clubes do Campeonato Brasileiro com essa estratégia caiu pela metade — de quatro em 2023 para apenas dois em 2025.
Nascido de uma crise, o modelo sucumbiu a problemas que o tempo se encarregou de expor. Hoje, apenas Ceará (Vozão) e Juventude (19Treze) mantêm a operação na elite nacional. A saída mais recente foi a do Bahia, que trocou seu selo próprio pela gigante Puma após a aquisição pelo City Football Group.
O Brasil, que já foi um expoente do movimento, está junto de Argentina (Estudiantes, com a Ruge) e Itália (Lecce, com a M 908) como os únicos países com iniciativas do tipo entre as principais ligas, sendo o único com mais de um representante. O cenário, aponta o relatório, indica uma desistência generalizada do projeto.
O movimento de marcas próprias no Brasil ganhou força após a Copa do Mundo de 2014. O evento representou o auge do investimento de fornecedoras como Adidas, Nike e Puma. O cenário pós-Copa, porém, foi de retração. Com a crise econômica e a revisão de suas estratégias globais, essas marcas reduziram drasticamente aportes.
— Quando passou a Copa do Mundo, as grandes marcas passaram a retrair seus investimentos. Antes, a negociação gerava uma luva e condições muito boas para os clubes. Depois da Copa, as que quiseram se manter só queriam fornecer material, royalties e enxoval, mas as luvas acabaram. Houve um choque e os clubes buscaram alternativas — explica Idel Halfen, um dos criadores da pesquisa.
A gestão de uma marca própria se mostrou um modelo de difícil sustentação. Ela exige alto investimento e conhecimento em áreas que fogem da especialidade dos clubes, como marketing, desenvolvimento de produto e comercialização.
Idel ressalta que o principal gargalo não é a distribuição, mas a venda antecipada para o varejo, que ocorre de seis a oito meses antes da produção. Enquanto a marca especializada negocia um portfólio variado, o clube tem só a sua linha de produtos para um único público-alvo, o que diminui o poder de barganha com lojistas.
O caso do Fortaleza
O Fortaleza é o maior exemplo de sucesso e dos limites de uma marca própria. A “Leão 1918” nasceu em 2016 por necessidade, quando o clube estava na Série C. Com gestão profissional e impulsionada por uma ascensão histórica em campo, o faturamento saltou de R$ 360 mil anuais para quase R$ 30 milhões em 2022.
O sucesso, no entanto, criou uma demanda que a estrutura interna não conseguia mais atender. A falta de produtos em estoque, resultado de uma gestão cautelosa para não gerar prejuízo, frustrava o torcedor e passava uma imagem de má administração, ainda que o planejamento fosse feito com meses de antecedência.
A operação se tornou grande demais para o clube. Assim, em 2023, o Fortaleza migrou para a Volt, uma marca nacional que assumiu todo o ciclo do negócio. Segundo fontes internas, o faturamento aumentou, mas a transição gerou um desgaste com a torcida. O apego emocional à “Leão 1918”, somado a críticas sobre a qualidade e o design dos novos uniformes, criou uma resistência que perdura.
Apesar disso, as vendas de materiais esportivos só sentiram algum impacto negativo em 2025, com o mau momento do time em campo.
O caso Bahia
A transição do Bahia para a Puma, esperada desde a chegada do City Football Group, escancara as vantagens de uma parceria global. Enquanto a marca própria gerava basicamente uma única linha de receita (a venda do produto), o acordo com a fornecedora alemã diversificou as fontes de renda:
Os casos Portuguesa e São Paulo
Outros clubes ilustram o esgotamento do modelo. A Portuguesa abandonou sua marca “1920” e assinou com a espanhola Joma no final de 2023, reconhecendo que os desafios de produção e distribuição superavam os benefícios da autonomia.
Já o São Paulo viu sua marca casual, a “SAO”, ser ofuscada. Criada para explorar nichos, ela perdeu espaço com o contrato de exclusividade assinado com a New Balance em 2024, que concentrou na parceira a responsabilidade sobre a maioria dos produtos. Há dificuldade de coexistência mesmo para projetos complementares.
Paixão versus pragmatismo
O fim das marcas próprias expõe um dilema central no futebol moderno: a paixão do torcedor, que se apegou a símbolos de autonomia como a “Leão 1918”, versus a racionalidade de um negócio que exige escala, distribuição global e investimento.
A complexidade da indústria da moda e os benefícios financeiros de uma parceria com uma empresa especializada no ramo superaram o sonho da autossuficiência.
— É muito difícil que os clubes voltem a pensar em marca própria. Hoje, eles entendem que é melhor se tornar parceiro de uma marca. As grandes, como Adidas, Puma e Nike, acabam até atraindo outros patrocinadores. A própria decadência desse modelo acaba desincentivando — conclui Halfen.