Luiz Muzzi: “Muita gente entra em MCO sem saber por quê, sem objetivo”

Por Raphael Fernandes 04/07/2025 | 08h00
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Foto: MLS

 

O Orlando City quer voar mais alto na MLS. Para isso, a franquia vem investindo na contratação de jovens com potencial de revenda e na internacionalização da marca. A inserção em uma holding global é uma possibilidade para o futuro, mas Luiz Muzzi, assessor sênior de negócios globais do clube, analisa o plano com cautela para não repetir os erros cometidos por outras equipes no passado — e também no presente não muito distante.

 

— Hoje em dia tem muita gente entrando nessa de múltiplos clubes sem saber exatamente por quê, sem um objetivo claro. Então, o primeiro passo é definir a meta: por que a gente quer fazer isso? No momento em que você começa a ter vários clubes dentro de uma holding, passa a ter um clube competindo com o outro pelos recursos da própria holding — explica o executivo em entrevista ao Sport Insider.

 

— O Orlando é uma marca relativamente internacional, já chegou a ter escolinha no Brasil. É uma cidade reconhecida internacionalmente pelo turismo, e a gente tem que explorar essa marca fora [dos Estados Unidos] também — complementa Muzzi.

 

Um dos símbolos desta estratégia do Orlando City é o atacante Facundo Torres. Fundamental para o único título do clube na história — a U.S. Open Cup — o uruguaio de 25 anos foi contratado por 9 milhões de dólares em 2022 e vendido para o Palmeiras por 12 milhões de dólares nesta temporada. De acordo com Muzzi, a roda sempre tem que girar para o próximo talento vir, mas sem ignorar metas esportivas.

 

— O nosso calendário é igual ao do Brasil, então, no meio do ano, chegam propostas pelos melhores jogadores. E isso é sempre um problema. Por exemplo, acabamos de vender o Facundo Torres para o Palmeiras, um garoto que trouxemos jovem do Peñarol, ficou três anos aqui, nos deu o título da Copa que ganhamos em 2022. A gente sabe que a roda tem que girar para o próximo vir e a gente participar desse mercado. Mas o desportivo sempre tem que vir em primeiro lugar — analisa Muzzi.

 

Para saber mais sobre o Orlando City e a visão de quem lidera o futebol do clube há mais de seis anos, leia outros trechos da entrevista a seguir.

 

Sport Insider: No momento, as atenções estão voltadas para a Copa do Mundo de Clubes. Como você analisa o desempenho das equipes da MLS?

Luiz Muzzi: Os clubes estão indo bem dentro do possível. A gente ainda tem limitações na formação de elenco, porque aqui existe o teto salarial. O próprio Inter Miami, por exemplo, gastou todo o dinheiro do meio-campo pra frente. Como não tem mais como encaixar no teto, acaba ficando uma defesa que não é ideal para disputar esse tipo de torneio. O Seattle é um time bem montado, jogou de igual para igual com o Botafogo. Depois contra o PSG também não fez feio.

 

O Los Angeles entrou pela porta dos fundos porque o León foi eliminado; todo mundo esperava que fosse o América do México a entrar, mas o Los Angeles surpreendeu ao ganhar deles. O Inter Miami é uma situação curiosa, porque é o nosso grande rival aqui, o maior rival de Orlando. Então, por um lado, você torce pelo sucesso da liga, mas por outro é a nossa grande rivalidade. O pessoal não esperava que fosse dar esse trabalho todo no Palmeiras. E por muito pouco não foi primeiro do grupo.

 

Foto: Orlando City

 

O zagueiro Marlon, do Los Angeles, afirmou que a diferença entre a MLS e o futebol brasileiro é bem pequena. Concorda com essa análise? Como você enxerga a evolução técnica e estrutural do futebol nos Estados Unidos?

Luiz Muzzi: Eu concordo. Em termos de estrutura, não tem comparação — aqui é muito melhor. Temos estádios modernos, limpos e com boa capacidade. As viagens são melhores, todo mundo viaja de voo fretado e os hotéis são excelentes. A estrutura em si é superior. Os melhores clubes daqui não passariam vergonha, não seriam times que lutariam para não cair todo ano. Claro, quando você fala de metade da tabela pra baixo, aí já muda, mas isso acontece em qualquer liga. Mas não existe essa disparidade que todo mundo fala, como se fosse uma moleza, jogo de 10 a 0. Não é assim. Os times daqui são bons, tem muito jogador jovem, não é uma liga de aposentadoria. E quem fala isso é porque não acompanha.

 

Sobre o calendário, já existem conversas para uma mudança? Além disso, quais são as possibilidades dos clubes da MLS jogarem a Libertadores?

Luiz Muzzi: Há conversas também. Está sendo analisado. Aqui tem vários desafios, porque é um país continental. É como o Brasil, só que horizontal. O Brasil é mais vertical, digamos, e até pouco tempo atrás estava mais concentrado no Sul e no Sudeste. Hoje em dia você vê mais times do Nordeste com boa participação, bem organizados, com bons elencos, equipes fortes. Aqui existe esse deslocamento horizontal: de Orlando para Los Angeles ou Seattle, são cinco horas e meia de voo, mais três horas de diferença de fuso.

 

Acho que jogar a Libertadores seria uma ótima ideia em termos esportivos, mas a logística é muito complicada. Você sai do hemisfério norte pro sul, tem verão num llado, inverno no outro, sai da altitude e vai jogar em Montevidéu no frio, depois em Quito, em La Paz. É complicado, a distância é enorme. Os calendários estão muito apertados, tem Copa do Mundo, tem Copa de Clubes agora. Ajustar os calendários é o grande desafio. A ideia esportiva é ótima, mas a logística é complicada.

 

Voltando a falar sobre a Copa de Clubes, esse desempenho surpreendente do Inter Miami do Messi pode respingar de forma positiva no Orlando City?

Luiz Muzzi: Acho que o sucesso dos nossos clubes passa muito pela nossa principal competição, que é a Concacaf Champions Cup, que é como se fosse a Libertadores ou a Champions League da Europa. A gente constantemente chega à final, mas não tem vencido. Teve o Seattle Sounders, que foi campeão, mas, no geral, temos ganhado de equipes mexicanas — inclusive das mais fortes, como América, Tigres, Monterrey — mas na final acabamos ficando pelo caminho. Então fica aquela percepção de que os times da MLS não ganham nem a Champions da Concacaf. Só que, há 10 anos, nem chegavam na final. Então a evolução é bem acentuada.

 

Você pode ver isso também nos valores de transferências, nos salários, no tipo de jogador que começa a vir pra cá. Isso vai continuar assim. E com esses torneios acontecendo aqui e com a Copa do Mundo, tende a crescer cada vez mais. A gente torce pelos times daqui. O sucesso de um é o sucesso de todos.

 

No início da década de 2010, houve jogadores famosos, como Gerrard, Lampard e Pirlo, migrando para a MLS. Depois, uma mudança de foco dos clubes, quando as contratações passaram a ser jogadores da América do Sul com potencial de revenda. Recentemente, grandes estrelas mundiais voltaram a aparecer na liga com o Inter Miami. Como você enxerga o Orlando City neste contexto? Vocês pretendem investir em contratações de peso ou o foco da diretoria é contratar jogadores mais jovens?

Luiz Muzzi: O nosso perfil não é o de jogador veterano, mas sim o do Facundo Torres. Mesmo sendo um investimento relativamente alto — próximo dos 10 milhões de dólares na época —, é um jogador que veio com 21 anos, de um grande clube sul-americano, o Peñarol, com muito a atingir na carreira. E, quando cumpriu as metas esportivas, continuou subindo. Você tem, por exemplo, o Almada, que quando foi para o Botafogo também cumpriu esse ciclo: veio pra cá, ficou aqui, depois foi para a França. Depende do clube. O que o Miami faz, por exemplo, acho que a gente aqui no Orlando não faria — não é o nosso perfil, não somos esse tipo de clube.

 

Preferimos ter um elenco mais equilibrado, até porque existe o teto salarial e regras. No momento em que você passa a ter jogadores veteranos com salários altos, quem vai complementar o elenco são os outros jogadores que cabem dentro do teto. E aí começam problemas de vestiário, outras coisas. Mas cada um tem sua estratégia. Você pode ter três estrelas, os chamados jogadores-franquia. Aqui também tem uma categoria nova de jogadores sub-22. Você, como clube, tem incentivos para trazer esses atletas sub-22. No teto salarial eles contam como menos, então isso incentiva.

 

Mas são muitas regras, feitas para manter a estabilidade econômica do negócio. Não adianta sair gastando sem freios, criando dívidas que colocam tudo em risco. O time é uma empresa. O contrato dos jogadores não diz Orlando City, Miami, Seattle ou Los Angeles. Todos os contratos são com a Major League Soccer. Os donos de cada time são donos de uma fatia desse negócio. Cada um tem seu nível de independência — posso contratar quem eu quiser, contanto que esteja dentro das regras — mas todos são responsáveis pelo mesmo negócio. E aí entra aquele comentário: o Messi é do nosso principal rival, o Miami, mas ajuda a gente, porque o negócio cresce. A liga negocia como uma entidade única. Todos os times são Adidas — o contrato é com a liga, não é com cada clube individualmente. O contrato de televisão também é negociado pela liga, como em várias partes do mundo.

 

Quais são os desafios e oportunidades de se gerir um clube de futebol nos Estados Unidos, onde o calendário esportivo é altamente competitivo e o futebol ainda disputa espaço com ligas como NFL, NBA e MLB?

Luiz Muzzi: Futebol americano, no momento, a gente não compete ainda. A NBA está num ponto um pouco abaixo, mas também bem acima. Já o beisebol estamos competindo diretamente. O beisebol ficou um pouco pra trás, é um esporte com público menos jovem, de pouca ação. Houve uma época em que o futebol aqui era conhecido como esporte feminino. Por isso a seleção feminina americana é tão forte: começaram a jogar numa época em que ninguém no mundo jogava. Hoje, está mais equilibrado. Por outro lado, o futebol masculino começou muito depois que o resto do mundo, então ainda está chegando nesse nível.

 

Existem os desafios porque a gente está sempre competindo com outro esporte: durante o ano sempre tem basquete, futebol americano, hóquei, beisebol; sempre tem alguma coisa. E é um país que tem muitas outras opções de entretenimento. Por isso, você tem que oferecer um bom produto com jogadores melhores. Uma competição de alto nível, times fortes, e um grande produto fora do campo também.

 

Aqui, temos o conceito do tailgating, o pessoal se reúne no estacionamento, faz churrasco, toma uma cerveja, se diverte, as crianças brincam, o clube monta estrutura para as crianças. É um programa completo para a família. À medida que melhoramos os dois, a gente tende a ganhar uma fatia maior do mercado. Eu acredito que, em algumas gerações — não é uma que acaba e começa outra, são gerações que se intercalam — a gente já vai ter crianças dizendo que o esporte número um é o futebol. Isso está vindo e vai continuar crescendo.

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