Foto: Vítor Silva / Botafogo
Achar um substituto para Renato Paiva — demitido do Botafogo dez dias depois de ter sido beijado na bochecha diante das câmeras, após a vitória sobre o Paris Saint-Germain na Copa do Mundo de Clubes — é um dos menores problemas que John Textor tem para resolver. O foco da crise está na França.
Como o Lyon passou de potência nacional a rebaixado para a segunda divisão pelo DNCG, órgão regulatório da liga francesa, por não cumprir requisitos financeiros? Embora ainda exista chance de o descenso não acontecer, pois há um recurso em análise, os problemas econômicos persistem.
As dificuldades não começaram com Textor, é verdade. O empresário francês Jean-Michel Aulas estava no comando desde 1987, quando comprou o Lyon. O auge aconteceu nos anos 2000, com sete títulos franceses consecutivos. A gestão dele se destacou pelo lucro frequente na compra e venda de atletas.
As finanças do clube vinham mal, no entanto, fazia muitos anos. O financiamento do estádio Parque Olímpico Lyonnais — inaugurado em 2016 e renomeado Groupama Stadium em 2017 — foi sendo rolado. Até que, na pandemia, receitas de matchday e televisão despencaram, e o endividamento subiu muito.
Temporada | Receita¹ | Dívida² |
2019/2020 | 181 | 473 |
2020/2021 | 118 | 576 |
2021/2022 | 160 | 574 |
2022/2023 | 199 | 636 |
2023/2024 | 264 | 791 |
¹Receita operacional, sem transferências de atletas
²Dívida bruta ao fim de cada exercício, em 30 de junho
Fonte: Balanços financeiros
E, então, Textor. O americano oficializou a compra do clube em dezembro de 2022. Ele já era acionista majoritário do Botafogo, de onde viriam os talentos sul-americanos, e do Molenbeek, na Bélgica, um time modesto que poderia abrigar atletas em fases intermediárias de desenvolvimento.
Os problemas de relacionamento começaram cedo. Internamente, com Jean-Michel Aulas. O antigo proprietário reteve parte das ações e ficaria no comando do grupo por três anos, mas saiu em maio de 2023. Textor classificou como remorso de vendedor, alguém que estava com dificuldades para desapegar.
A rixa com Aulas causou consequência financeira, além da troca de ataques por meio da imprensa. Em agosto de 2023, Aulas conseguiu por via judicial congelar 14,5 milhões de euros de fundos do Lyon, para receber a sua parte na venda das ações.
Externamente, Textor comprou briga com o proprietário do PSG, Nasser Al-Khelaifi. Começou já na ocasião da aquisição do Lyon, quando o americano disse que não gostava do modelo de negócios do adversário, sustentado por dinheiro do Catar. Outras provocações mais tarde, o árabe diria que o rival é um “caubói”.
Textor também não facilitou a vida de seus advogados e representantes ao dizer à imprensa internacional, por diversas vezes, que o DNCG é mais exigente com ele do que era com Aulas. A acusação de perseguição piorou o clima para ele na França.
Não por acaso, para fins de relações públicas, o americano acaba de anunciar seu afastamento do Lyon nesta segunda-feira (30). A investidora sul-coreana Michele Kang, que já participava da gestão, comandará o clube em seu lugar.
As medidas contra a crise
O documento mais recente publicado pela Eagle Football Holding — grupo de clubes fundado por John Textor — mostra a situação do Lyon em 31 de dezembro de 2024. É um retrato dos primeiros seis meses do ano fiscal, de julho até dezembro.
Não havia sinal de recuperação imediata. O EBITDA estava negativo em 46 milhões de euros. A dívida bruta havia chegado a 904 milhões de euros. Em resumo: a conta operacional não fecha, e o endividamento só aumenta, principalmente com bancos.
A principal justificativa que a equipe de Textor dá é: ela fez enorme refinanciamento, no valor de 385 milhões de euros, para substituir por créditos novos as dívidas da época da construção do estádio e empréstimos feitos na pandemia.
O risco desse tipo de dívida é que, apesar de alocada no longo prazo, a pagar em período superior a um ano, ela onera a Eagle com a cobrança de juros.
Já a melhor saída anunciada pelo grupo é a venda da participação no Crystal Palace, da Inglaterra. Pelos 43% que detinha, Textor deve receber cerca de 220 milhões de euros, segundo britânicos. A injeção desse dinheiro pode aliviar a crise.
Vendas de atletas têm sido feitas para encontrar dinheiro rápido, inclusive para clubes da própria rede. No documento, o Lyon cita as seguintes transferências:
Além disso, o Textor está se desfazendo de uma série de propriedades que o Lyon havia acumulado, como franquias de outras modalidades e uma arena multiuso.
Se o desmanche dos ativos será suficiente para conter a crise, não sabemos. Se a liga aliviará a pressão, por meio do DNCG, e deixará o Lyon disputar a primeira divisão em 2025/2026, tampouco. Certo é que há muitos interessados no resultado da crise.
Além do Botafogo e dos botafoguenses, que podem ver seu clube participar das perdas da Eagle Football Holding, os sócios que emprestaram dinheiro para que Textor montasse o grupo: Ares Management Corporation e Iconic Sports.