Entenda a cisão entre Textor e Ares — e o emaranhado de operações da Eagle

22/07/2025 | 08h00
Compartilhe esse conteúdo

Foto: Vítor Silva/Botafog o

 

Botafogo, Molenbeek e Lyon, todos clubes de futebol comprados por John Textor nos últimos anos, dependem de negociação entre o empresário americano e seu principal credor, a Ares Management Corporation, para ter o futuro decidido.

 

As notícias dos últimos dias apontam para a inevitável cisão entre os parceiros. Textor abriu novo grupo nas Ilhas Cayman, chamado Eagle Football Group. Funcionários do Botafogo escreveram carta aberta em defesa do empresário americano. Eles temiam que a Ares se apossasse do clube e ganhasse força na negociação “contra” o chefe.

 

— Se John for afastado, nós sairemos com ele — disseram os botafoguenses.

 

Por trás do noticiário, há dura negociação entre as partes. Textor quer manter Botafogo e Molenbeek, enquanto a Ares ficará ao lado do Lyon. Mas não se trata tão somente de “dois pra cá, um pra lá”. A discussão envolve compensações financeiras e o desenlace de clubes que vinham operando próximos, financeira e contabilmente.

 

Enquanto as tratativas se desenrolam, o Sport Insider organizou informações públicas e documentadas sobre a Eagle Football Holdings. Além da falta de transparência em relação aos negócios que tocam o Botafogo, o quadro demonstra as dificuldades que terá para desembaraçar tantos nós junto aos sócios.

 

A origem do problema

Textor deu início à formação da Eagle, mas ele não é seu único proprietário há alguns anos. Ele detém cerca de 60% do capital, enquanto outros acionistas dividem 40%.

 

A Ares entrou no negócio na ocasião da compra do Lyon. Gestora global de investimentos, ela emprestou dinheiro para que o americano executasse a aquisição do clube francês. Dois representantes seus, Mark Affolter e Jim Miller, passaram a fazer parte do Conselho de Administração da Eagle Football Holdings.

 

Não há registro público que reúna todas as informações sobre a credora, mas alguns documentos dão elementos para a compreensão da parceria.

 

Na Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês), foi contabilizado que, em 31 de dezembro de 2024, a Ares detinha empréstimos para a Eagle com taxas de 19% e 12%. Os créditos acumulam esses juros até a data de vencimento, em dezembro de 2028, sem necessidade de pagamentos periódicos.

 

Além dos empréstimos, a Ares possui o direito de comprar ações ordinárias do grupo fundado por Textor. Trata-se, portanto, de mais do que mera credora.

 

O valor da dívida não foi contabilizado por inteiro no órgão fiscalizador americano, mas a Bloomberg publicou reportagem em outubro do ano passado com a quantia: ao todo, o empresário americano deve cerca de US$ 500 milhões para a Ares.

 

Na época dessa reportagem, inclusive, Textor já se movimentava para levantar os fundos que precisava para pagar o credor, sem que arriscasse perder controle sobre o grupo de clubes. Ele pretendia vender o Crystal Palace, tomar outros empréstimos no mercado financeiro e fazer a abertura de capital da Eagle na Bolsa de Nova York.

 

Baixa transparência, confusão na imprensa

Botafogo e Lyon têm times de futebol diferentes, mas operações financeiras que se misturaram nos últimos anos em níveis que ninguém, exceto os agentes envolvidos na administração dos clubes, tem conhecimento exato.

 

O Botafogo não publicou as suas demonstrações contábeis referentes a 2024, nas quais estariam visíveis algumas dessas operações. A Lei Pelé obriga a publicação.

 

A Eagle Football Holdings, sediada na Inglaterra, também não publicou balanço algum até hoje. A justificativa que Textor apresenta é: tais publicações prejudicariam o processo de abertura de capital do grupo na Bolsa dos Estados Unidos.

 

A única parte do grupo a soltar alguma informação até hoje foi o Lyon, pressionado pelo órgão regulatório da liga francesa, o DNCG. E os dados expostos em seu balanço abriram margem para reclamações na imprensa — algumas, inclusive, equivocadas.

 

Foto: Vítor Silva/Botafogo

 

O balanço francês expôs que três jogadores tiveram seus direitos transferidos do Botafogo para o Lyon por 91,7 milhões de euros — R$ 590 milhões, segundo a cotação na data de fechamento das demonstrações contábeis. O documento não cita os nomes, mas são eles Luiz Henrique, Igor Jesus e Thiago Almada.

 

Esse registro fez com que o jornal francês L’Équipe, em 7 de julho, publicasse reportagem com a suspeita de que o Lyon estaria financiando indevidamente o futebol do Botafogo. Incorretamente. O balanço mostra que o clube francês assumiu os direitos dos jogadores, mas assumiu também uma dívida, no mesmo valor.

 

Ou seja, quando Luiz Henrique, Almada e Igor fossem vendidos, o dinheiro passaria pela contabilidade do Lyon, mas precisaria ser redirecionado ao Botafogo.

 

Mas por que, afinal, os direitos precisariam ser repassados de um clube para o outro, se o dinheiro da transação acabaria indo para os brasileiros de qualquer jeito?

 

Esta é a pergunta mais relevante sobre o funcionamento do grupo, que nos últimos anos transacionou jogadores, e não apenas jogadores, a fim de aliviar problemas na contabilidade dos clubes individualmente, porém considerando um caixa único.

 

Outras operações mal explicadas

Para citar mais alguns exemplos de negócios da Eagle, o Botafogo vendeu empresa chamada OL Ltda para o Lyon e depois a recomprou em 14 de junho de 2024.

 

O Botafogo fez operações de crédito com o Lyon, tornando-se credor do clube francês por determinado período. Ainda há, hoje, valores a pagar.

 

John Textor e o Lyon criaram outra empresa no Brasil, chamada OL Bresil Ltda, em junho de 2024. Ambos emprestaram para ela a quantia de R$ 257 milhões, com taxa de juros de 6% ao ano e vencimento em julho de 2024 e julho de 2025.

 

Todas essas operações financeiras foram citadas superficialmente em balanços financeiros do Lyon, mas não tiveram explicações suficientes para que se compreenda a natureza delas. Quais foram os valores envolvidos? Quais foram as razões?

 

Para que os clubes sejam separados em grupos diferentes — Botafogo e Molenbeek na Eagle Football Group, de John Textor, e o Lyon na Eagle Footbal Holdings, dos atuais acionistas e ainda sócios do empresário americano —, todas essas operações precisarão ser resolvidas. O que inclui a separação de ativos e o pagamento de dívidas, além do acerto entre Textor e Ares na relação entre eles. Não é pouco.

Newsletter

Receba o melhor do sport business no seu e-mail